De um lado, números que dão esperança. Do outro, corações ansiosos por uma ligação que reacenda sua própria esperança. O Ceará é um dos estados recordistas em transplante de órgãos. Segundo o Ministério da Saúde, o Estado saltou de 842 transplantes, em 2009, para 1.342 procedimentos no ano passado. No entanto, na outra ponta, existem milhares de pessoas que aguardam na fila de espera por um órgão. E com um agravante: resistência da família em doar órgãos de seus entes queridos.


A médica Ana Maria Molina veio de Rondônia há mais de um ano para fazer, em Fortaleza, um transplante de fígado. Ela tem 46 anos, é casada e mãe de três filhos. Uma doença autoimune, que descobriu há dez anos, se agravou nos últimos dois anos. A enfermidade atingiu o fígado, desenvolvendo uma cirrose biliar primária. Com a piora do quadro clínico, apenas um transplante pode resolver a situação da paciente. A dificuldade do procedimento na própria cidade e os resultados significativos do Ceará na área de transplantes fizeram a médica vir a Fortaleza.


Desde que chegou a capital cearense, Ana Maria já enfrentou sete complicados sangramentos. Enquanto aguarda o órgão, a paciente passa a maior parte de seus dias em tratamento no Hospital Geral de Fortaleza. A cada 15 dias, ela recebe a visita do marido, que se intercala com os filhos para acompanhá-la na rotina de tratamento. Os custos financeiros de sua manutenção na cidade são altos, entre gastos com aluguel, transporte, alimentação e medicamentos. Entretanto, o mais difícil é juntar a esperança despedaçada duas vezes. “Já encontraram duas vezes um fígado compatível para mim. Fiz todos os procedimentos para o transplante, mas, nas duas vezes as famílias desistiram da doação. É muito difícil. A minha doença não tem regressão ou cura, apenas o transplante resolve. Passo todos os dias esperando a ligação do hospital. Meu psicológico está muito abalado, já não dá para aguentar”, revela a paciente.


Conversando com outros pacientes, que assim como ela fazem tratamento no HGF, Ana Maria ouve muitos casos, tanto de desistência da família como da dificuldade em conseguir órgãos compatíveis, além dos altos custos para os pacientes do interior do Estado que tem que permanecer na Capital à espera do procedimento. Para ela, embora o Ceará seja destaque em transplantes, ainda faltam conscientização e sensibilidade da população para a questão de doação de órgãos.

Negativas


Em 2013, conforme a coordenadora da Central de Transplantes do Estado, Eliana Barbosa, a média de negativas das famílias em doar órgãos no Ceará era menor do que a média nacional, que ficou em torno de 41%. Até o início do ano passado, a cada 100 mortes cerebrais confirmadas, 37 famílias recusaram fazer a doação. Para Organização Mundial de Saúde (OMS), o indicado é que esse percentual seja menor do que 20%. Em entrevista ao Diário do Nordeste, Eliana apontou o desconhecimento e as questões ligadas à religião como os principais fatores para a negativa das famílias.

Referência


Apesar da fila de espera e resistência das famílias em doar órgãos de parentes, o Ceará contabiliza números positivos com relação a transplante. Segundo os dados do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT) 2013, documento oficial da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), da Universidade Federal do Ceará (UFC), realizou 130 transplantes de fígado em 2013, tornando-se uma referência na América Latina. O Hospital fez mais transplantes de fígado que o México (106 transplantes, dados relativos a 2012) ou Chile (74 transplantes, em 2012).


Além dos transplantes hepáticos, o HUWC tem se destacado em transplantes de medula, rim, pâncreas e córneas. No caso de medula, o Hospital foi responsável pela introdução da técnica no Estado. Ano passado, realizou 31 dos 36 procedimentos feitos no Ceará – o que equivale a 86,7%.


Para a UFC, os números do RBT mostram uma evolução crescente do transplante de fígado no Estado, quase triplicando a quantidade de procedimentos em sete anos. Em 2013, foram 194 no Ceará – 67% deles realizados no Hospital Universitário Walter Cantídio. Além da UFC, os procedimentos também foram realizados no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e no Hospital São Carlos. Por conta disso, o Hospital tem servido como um polo regional, atraindo pacientes de toda a região Norte/Nordeste, e também do Centro-Oeste, Sudeste e até do Sul do País. Dos mais de 900 transplantes de fígado realizados nos últimos 12 anos, mais da metade (507) veio de outros estados. Em agosto deste ano, o Serviço de Transplante de Fígado do HUWC a marca de 1.000 transplantes realizados.

Números


De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), o Ceará tem o maior número do Brasil de doadores efetivos em relação a grupos de um milhão de habitantes. O Estado registrou 29,3 doadores efetivos por milhão da população e ultrapassou os números de Santa Catarina e do Distrito Federal, líderes nos últimos dois anos. Vale ressaltar que esse número em dezembro de 2013 era de 21,4 por milhão da população, o terceiro maior do País.


No primeiro semestre de 2014, o Ceará registrou aumento de 28,4% das notificações de potenciais doadores de órgãos e tecidos para transplantes, de 24,7% das doações efetivas e de 15,9% dos transplantes realizados, em relação ao primeiro semestre do ano anterior. Os dados são da Central de Transplantes da Secretaria da Saúde do Estado.

Saiba mais


A Central de Transplantes do Ceará, criada em 1998, funciona 24 horas, na sede da SESA. A Central inscreve receptores potenciais no Cadastro Único ( Lista Única); acompanha e gerencia s listas de esperas para os vários tipos de transplantes; recebe notificações de morte encefálica; distribui de órgãos e tecidos de acordo com os critérios previamente estabelecidos; Credencia serviços de captação e transplante de órgãos e tecidos; resolve aspectos técnicos ( logística); e promove campanhas de esclarecimentos a população sobre doação de órgãos e tecidos.


Tempo médio para cada órgão


 


  • Coração: o tempo médio entre a retirada e o implante não deve ultrapassar quatro horas, normalmente é feito simultaneamente, logo em seguida, já estando o receptor na sala ao lado.

  • Córneas: pode permanecer até seis dias fora do organismo, desde que mantida em conservação com líquidos apropriados

  • Rim: o tempo médio pode ser de 12 a 24 horas. Quanto mais rápido o implante, melhor a qualidade do órgão.

  • Fígado: tempo varia em 4 a 8 horas.




Para ser doador não é necessário deixar nada por escrito. O fundamental é conversar com a própria família e deixar bem claro o seu desejo. Os familiares devem se comprometer a autorizar a doação por escrito após a morte. A doação de órgãos é um ato pelo qual o doador manifesta a vontade de que, a partir do momento da constatação da morte encefálica, uma ou mais partes do seu corpo (órgãos ou tecidos), em condições de serem aproveitadas para transplante, possam ajudar outras pessoas.

Serviço

Central de Transplantes

Endereço: Avenida Almirante Barroso, 600, Praia de Iracema

Telefone: (85) 3101-5123

Site:  www.saude.ce.gov.br/


 

 

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