“Temos paixão por árvores”, diz Vilani Moreira, guiando a primeira visita ao jardim do TJA,  dia 27 de julho de 2008. Parte do Programa Theatro de Portas Abertas, a visita acontece todo  último domingo do mês, às 16h, na Domingueira no Theatro. Silenciosa e desacelerada no dia em que o Centro, por sua vez, também silencia e desacelera. Experimente fruir das ruas limpas, calçadas livres. Ainda que tenhamos o medo incorporado, e estranhemos o vazio da cidade, dá para sentir que um outro Centro é possível. Ver o flamboyant na Praça dos Leões, os ipês nas praças José de Alencar, Coração de Jesus e do Ferreira, modos de vida quase imperceptíveis no ruidoso cotidiano tocado pela pressa. A visita ao jardim torna visíveis outras paisagens do Centro, da Cidade, do próprio TJA.

O primeiro projeto de jardim é de 1975. O atual, de 1991, aberto dia 26 de janeiro, quando da reinauguração do teatrão pós-restauro iniciado em 1989, realizado pelo Governo do Estado via Secult. São projetos de Burle Marx (1909-1994). Expandiram o espaço físico do TJA. O atual ampliou os modos de uso e ocupação do teatro. E reafirmou a necessidade de pensar Theatro e Praça José de Alencar como um espaço integrado. Nos anos 90, o jardim foi o primeiro palco da programação gratuita ao meio-dia, buscando intensificar a relação do teatro com o seu entorno.

O jardim convida para uma permanência maior no TJA, não só o tempo de duração do espetáculo. Aos domingos, com o Música no Foyer (16h) e o TJA Criança (17h), iniciados em janeiro, ir ao teatro passa do chegar 10-15 minutos antes do concerto ou da peça e se torna uma fruição mais larga. Dá para ver o trabalho de cuidar do jardim, um exercício de restauro que lá se realiza.

Natureza e artifício, o jardim dá uma outra densidade ao TJA. Ao se armar uma roda de público entre palmeiras e jucás, a céu aberto, sob a luz intensa dos dias no Ceará ou as variações da lua, vivemos várias experiências de tempo nas artes cênicas. Atualizamos o tempo em que o teatro e a dança, artes ainda não apartadas como se compreende hoje, ocupavam a Cidade: ruas, terreiros, feiras, pátios de igrejas. Artistas e público então amalgamados, construindo juntos, com seus corpos, o espaço da cena. Uma compreensão outra de público, para além do espectador-platéia, mas um atuante, um-em-cena. A cada encontro, um desenho outro, uma outra paisagem.

Com o jardim e o Cena (anexo TJA), os percursos no TJA estão mais para as derivas que fazemos pela Cidade, e além delas. De portas abertas de terça a domingo, o TJA recebe para atividades múltiplas: aulas e espetáculos, ensaios e estudos. Torna-se um lugar com nossas ocupações, com os usos que fazemos dele. Se pensarmos no TJA de 1910-1975, o que surge então com o primeiro jardim e se expande nos anos 90 com o Cena, a idéia-mestra de Burle Marx ganha materialidade: além de cuidar dos nosso jardins, precisamos inventar modos de vivê-los, de viver. Tomar-se de paixão por árvores é um deles. Cultivar práticas é nosso ofício. No TJA quase centenário, podemos fazer isso em interlocução com o já realizado, o já pensado e, sobretudo, com o que não sabemos, o que está por vir. Que os velhos oitis do jardim possam, pois, oxigenar renovados modos de celebrar e inventar a vida.
 

Izabel Gurgel
– Jornalista. Diretora do Theatro José de Alencar.
izabelgurgel@uol.com.br

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