Sempre me ensinaram que precisamos de boa alimentação para crescer fortes e saudáveis. Mas, quanto ao alimento para a mente, nunca fui alertada. Até chegar a esse conhecimento, foram muitas experiências, algumas dolorosas. A mente também precisa ser bem alimentada. É preciso estar sempre alerta para não fazer dessa nossa parte tão importante depósito para toda sorte de lixo que nos chega camuflado de lazer e entretenimento.


 


Eu cresci em um lar saudável, com muita atenção dos pais e muita convivência, lazer e brincadeiras. Mas tinha uma história que me assustava e me deixou com um verdadeiro pavor a armas de fogo. Era uma marca de bala na porta da sala de estar. Aquilo me intrigava até que descobri que aquele tiro foi dado pelo meu irmão, acertando meu outro irmão de raspão em uma brincadeira que quase acabou em tragédia. A arma pertencia ao meu tio policial militar e foi achada por eles, acostumados a brincar com um revólver de brinquedo que disparava espoletas. Eles buscavam mais realismo. Depois desse episódio, as armas de brinquedo foram proibidas lá em casa. Aprendemos com a lição.


 


Hoje, vejo crianças cada vez mais cedo brincando de matar em jogos que são valorizados pelo máximo de realismo que podem oferecer. Essa tragédia que ocorreu em São Paulo me fez imaginar o que se passava na cabeça do Marcelo, esse garoto que hoje é o único suspeito do caso.


 


Fico imaginando o que foi oferecido à mente desse garoto, que valores ele aprendeu em casa, que estímulos ele recebeu da televisão e do computador, nos jogos que nem de longe ensinavam sobre os valores aceitos socialmente.


 


No perfil de Marcelo, de apenas 13 anos, ele usava a imagem de um assassino, personagem de um jogo, no lugar de sua foto. Aliás, ele também confidenciava ao melhor amigo sobre o desejo de matar os pais e fugir de casa para ser matador de aluguel.


 


Com tudo isso, muito me surpreendeu ver uma psicóloga ir a TV em um programa matinal para dizer que não há relação entre os jogos violentos e a prática de crimes. Pra mim, está muito clara a associação nesse caso igualmente como essa ligação ficou clara pra mim no evento ocorrido na minha infância. Esta semana mesmo, uma amiga contava que o sobrinho dela, aos 5 anos, pegou um fio descascado com a intenção de ficar com o esqueleto iluminado como o que via no “inocente” desenho animado que alegrava suas manhãs. Agora, você imagine esse mesmo garoto jogando um jogo onde matar faz você ser um vencedor. Que valores estariam sendo cultivados nessa mente?


 


Para mim, pareceu muito natural para o Marcelo matar a todos que ele tinha acesso facilmente e sonhar ser aquele personagem do jogo favorito dele. Só que, indo à escola e retornando, ele caiu em si e percebeu que não era como no jogo e que a realidade era dura demais para ele suportar sozinho.


 


Fica aqui uma reflexão para a sociedade “acordada”. Se queremos uma cultura de paz, por que oferecer aos nossos filhos violência como diversão? É difícil ir contra a corrente, como sugeriu o papa Francisco, mas essa é uma guerra de valores. Não é mais possível aceitar que o poder econômico fique acima do bem estar de uma população. Os jogos por si só geram grandes lucros. Eles fazem também crescer o medo e a violência, fazendo aumentar também os lucros das empresas de segurança.


 


Vou além. Se jogos que ensinam a matar, roubar e até traficar chegam tão facilmente nos nossos lares, é porque tem o aval das autoridades. Não seria a hora de se avaliar seriamente o conteúdo desses jogos e filmes antes que sejam liberados para o consumo? Afinal, medo e pânico também são questões de saúde pública. E se queremos um país de cidadãos saudáveis, devemos cultivar valores igualmente saudáveis. Cultivar a paz para colher a paz.


 


Gilda Barroso é jornalista e espiritualista – gildabarroso@gmail.com


 


Artigo produzido no Jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização da autora

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