A presidenta Dilma Rousseff colocou no calendário nacional das grandes datas o 18 de novembro de 2011. É que numa solenidade bastante concorrida no final da manhã daquela sexta-feira, no Palácio do Planalto, ela sancionou duas importantes leis que marcam um importante avanço no processo democrático brasileiro: a que cria a Comissão da Verdade e a de Acesso à Informação. A Presidenta enfatizou ser aquela uma data histórica e realmente é.

Os democratas exigem uma Comissão da Verdade, da Memória e da Justiça. Mas isto será o segundo passo. O mais importante já foi dado, posto que o Brasil era o único país da América Latina vítima da truculência ditatorial militar que não tinha ainda criado a sua Comissão da Verdade, e propiciado o Acesso à Informação para esclarecer os crimes cometidos no período. O período é longo, indo de 1946 a 1988 e a comissão de sete membros, a serem ainda indicados, terá dois anos para concluir o trabalho.

Tive a honra de representar os ex-presos políticos do Ceará na qualidade de presidente da Associação 64/68 Anistia-Ceará e, juntamente com o Mário Albuquerque, presidente da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou; Lúcia Alencar, presidenta do Instituto Frei Tito de Alencar, a deputada estadual Eliane Novais, representando a Assembleia Legislativa, e Mário Mamede, ex-ministro dos Direitos Humanos, compomos a delegação cearense. Em rápido encontro com a Presidenta, pedi-lhe que não se deixasse pautar pela mídia.

Dentro do que lhe era possível no momento, Dilma Rousseff fez o que tinha de ser feito. Agora cabe aos democratas brasileiros, através das suas entidades representativas, exigir a amplitude da Comissão, tornando-a também da Memória e da Justiça como nos demais países latino-americanos, e revogar a Lei da Anistia de 1979.

É importante a sociedade brasileira saber quem seqüestrou, torturou, matou e ocultou cadáveres e quais os mandantes. Porém isso só não basta. Os crimes contra a humanidade praticados em qualquer tempo precisam ser punidos, até porque são imprescritíveis. A impunidade dos crimes cometidos durante a ditadura do Estado Novo motivou os militares golpistas de abril 1º de 1964 a repeti-los, notadamente após a implantação do terrorismo de Estado com o famigerado Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968.

As viúvas da ditadura falam em revanchismo. Isto não passa de falácia, pois ninguém está querendo que os criminosos – civis e militares – sejam seqüestrados, sofram torturas no pau-de-arara, com afogamento, choques elétricos e cervicais as mais cruéis como a introdução de canos de PVC no ânus com rato dentro etc, e suas mulheres e filhas sejam estupradas como eles fizeram com centenas de brasileiras solteiras e casadas. Até uma freira, a Irmã Maurina, foi violentada, ficou grávida sem saber sequer quem era o pai do seu filho. Esta foi ao VAticano e foi aconselhada pelo Papa Paulo VI a não realizar o aborto, pois a criança, mesmo sem saber jamais quem é o pai, não tem culpa. Isto ninguém quer.

Um dos grandes males do Brasil é a impunidade. Se Felinto Müller tivesse sido punido pelos crimes cometidos contra os direitos humanos – torturas e assassinatos –  durante a ditadura do Estado Novo com certeza o também criminoso Sérgio Paranhos Fleury não teria cometido os mesmos crimes durante a ditadura militar. Se o então capitão Olinto Mourão Filho tivesse sido punido por ter inventado as mentiras e escrito o “Plano Cohen” em 1937 e que deu origem à ditadura do Estado Novo, não teria sido um dos comandantes do golpe de Estado de 1º de abril de 1964.

Se todos os que cometeram crimes contra os direitos humanos, em qualquer período da nossa história, tivessem sido exemplarmente punidos, certamente os militares golpistas não teriam cometidos os crimes bárbaros durante os 21 anos que infelicitaram a nação brasileira, principalmente após ao implantação do terrorismo de Estado iniciado em 13 de dezembro de 1968.

Fatos escabrosos ocorridos durante os 21 anos de ditadura militar, que representaram uma verdadeira tragédia para o povo brasileiro, precisam ser do conhecimento público.  Pouquíssimas pessoas sabem que o capitão Sérgio, também chamado pelos amigos de Capitão Macaco, foi preso, perseguido e expulso da Aeronáutica porque se recusou a jogar presos políticos vivos em alto mar.

O atentado do Riocentro, em 30 de abril de 1981, se não tivesse fracassado, teria sito talvez o maior atentado terrorista da nossa história. Naquele dia alguns oficiais e sargentos do Exército planejaram explodir várias bombas de alto poder destrutivo no pavilhão onde milhares de pessoas comemoravam o Dia do Trabalhador. Para azar dos terroristas verde oliva, uma das bombas explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, dentro de um carro puma, tendo ele morte imediata.

Os crimes hediondos cometidos no Sul do Pará, com os camponeses e guerrilheiros do Araguaia, não podem ficar impunes. A maioria foi morta sob tortura e muitos foram pendurados de cabeça para baixo, em árvores, e tendo os rostos chutados por soldados a mando de oficiais do Exército como se bola fossem. Além de crime contra a humanidade, isto também é crime de guerra, num atentado a todos os tratados e convenções dos quais o Brasil é signatário.A Corte Interamericana da Direitos Humanos já colocou o Brasil no banco dos réus por não identificar e punir os criminosos fardados do Araguaia.

O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão; é o único a não realizar a reforma agrária e é o último a criar a sua Comissão da Verdade. Mas com a sanção das duas leis no último dia 18 demos um passo importante. Tanto que mereceu aplausos do Alto Comissariado da ONU. No entanto a alta comissária dos Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay, pediu medidas adicionais para facilitar o julgamento dos supostos responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura. Ela enfatizou que o País dá um importante passo na área de direitos humanos, mas afirmou que a medida deveria incluir a promulgação de uma nova legislação para revogar a Lei de Anistia de 1979 ou declará-la inaplicável por impedir a investigação e levar à impunidade.

Messias Pontes é jornalista – messiaspontes@gmail.com

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