Na última sexta-feira (11) o Ceará perdeu um dos seus mais ilustres filhos. É que faleceu em Brasília, de insuficiência respiratória, agravada por uma pneumonia, o padre José Haroldo Bezerra Coelho, 77 anos. Sociólogo, com pós-graduação na Universidade de Sorbonne, na França, tendo passado oito anos na Europa, retornando ao Brasil após a Anistia de agosto de 1979.


Ordenado padre católico em 1964, meses depois do golpe militar que depôs o presidente João Goulart, padre Haroldo sempre condenou e denunciou os golpistas, integrando-se na luta por democracia. Militante político convicto da necessidade da luta cotidiana conta o imperialismo, notadamente o norte-americano, ele era um ícone, uma referência na defesa da autodeterminação dos povos e na condenação de toda forma de exploração do homem pelo homem; defensor intransigente da reforma agrária, condenava o latifúndio como um dos principais males do Brasil.


Foi militante do Partido dos Trabalhadores pelo qual disputou o governo do Estado do Ceará em 1986 com o slogan “bote fé no seu voto”, ficando em terceiro lugar. Votou e trabalhou para eleger Luiz Inácio Lula da Silva presidente da República, mas logo se decepcionou com a continuidade de algumas políticas neoliberais e com a não realização da reforma agrária. Ele criticava o governo petista por priorizar o agronegócio em detrimento da reforma agrária, e por isso deixou o PT, filiando-se ao PSOL, mas nunca deixando de criticar a direção nacional deste partido com relação à posição sobre a Líbia e o Iran.


Na defesa da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional e do governo de Daniel Ortega, esteva várias vezes na Nicarágua, e no Brasil era uma espécie de cônsul da FFMLN; também era um intransigente defensor do socialismo em Cuba, país que visitou mais de uma vez. Erasócio e grande colaborador da Associação de Amizade Brasil-Cuba do Ceará .Em artigos em jornal, blogs e nas homilias nas missas, sempre denunciou o criminoso embargo econômico, comercial e financeiro do imperialismo estadunidense a Cuba, e a prisão dos cinco heróis antiterroristas cubanos presos injustamente nos Estados Unidos.


Também publicou alguns artigos em jornal e em blogs condenando a agressão imperialista ianque e europeia no norte da África e no Oriente Médio, em especial à Líbia, onde esteve há dois anos a convite do então presidente Muammar kadafi,de onde trouxe vários exemplares do “Livro Verde”, de Kadafi, tendo me ofertado um com carinhoso oferecimento em 15 de setembro de 2010.  Sempre que retornava da Nicarágua, Venezuela, Cuba e Líbia comparecia ao meu programa Espaço Aberto, da Rádio Cidade AM de Fortaleza, das 8 às 9 horas para falar sobre esses países.


No último Natal, jantamos na casa de minha mãe onde conversamos por mais de três horas. Ele lamentou profundamente a posição ultraconservadora da cúpula da Igreja Católica da Venezuela e da Argentina, e se dizia incomodado com a posição de alguns padres “atores” que ele considerava mercenários; se disse decepcionado com a administração da então prefeita Luizianne Lins (PT) por práticas atrasadas de direita, principalmente com a falta de transparência, a negociação de cargos de diretor e escolas, postos de saúde e de hospitais do Município em troca de apoio político na Câmara Municipal, bem como do exagerado número de terceirizados em toda a administração municipal de Fortaleza.


Mesmo sendo um ácido crítico de determinadas posições, nunca perdeu a ternura. Sempre rindo, reafirmava a sua convicção socialista e lamentava o equívoco de “pessoas queridas” que abandonaram o marxismo se bandeando para a socialdemocracia, a exemplo dos(as) que hoje compõem a “Crítica Radical”.

 

Padre Haroldo, professor aposentado da Universidade Estadual do Ceará, tinha muitos planos para este ano, entre eles retornar a Cuba para participar da festa do 1º de Maio em Havana, como fizera há três anos, e visitar o Iran no segundo semestre, já que fora convidado pessoalmente pelo presidente Armadinejad quando da realização da Rio +20, no ano passado.


Ele era um apaixonado torcedor do Ferroviário Atlético Clube, o Ferrim, sempre assistindo aos seus jogos nas arquibancadas populares junto ao povão, e aproveitava os jogos para fazer denúncias contra o imperialismo. A sua última manifestação foi exibindo, no meio da arquibancada, um cartaz com os dizeres: “OTAN (EUA), tire as botas da Líbia”.


O incondicional apoio aos movimentos populares, com destaque para o MST, e a condenação da velha mídia conservadora, venal e golpista por criminalizar os movimentos sociais eram marca registrada desse grande brasileiro. Em todo movimento reivindicatório e grevista ele estava presente dando o seu apoio e sempre celebrando missa.


Além da amizade, respeito e admiração que tinha pelo Padre Haroldo, eu guardarei para sempre uma profunda gratidão pela maneira como ele me tratava, chamando-me de “companheiro jornalista combativo e ético”. Quando soube que eu estava internado no Hospital São Carlos onde passei por cirurgia para a retirada de um tumor maligno na cabeça do pâncreas, em outubro último, foi me visitar e rezou duas missas em minha intenção na Igreja do Carmo (centro de Fortaleza), pedindo aos fiéis para rezarem pelo meu pleno restabelecimento “porque a democracia ainda vai precisar muito do jornalista Messias Pontes”.


Entre as muitas virtudes do Padre Haroldo Coelho, uma chamava a atenção: o respeito pela diversidade. Mesmo discordando de determinada posição, ele respeitava e advogava o direito de quem a defendia. Era realmente um grande democrata e vai fazer muita falta.  O Ceará está de luto!


Descansa em paz, companheiro!


Artigo publicado no jornal o Estado de 17 de janeiro de 2013 e reproduzido neste site com autorização do autor


* Messias Pontes é jornalista

 

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