Meu pai falava com entusiasmo sobre as cidades que conhecera. O Rio de Janeiro era a que mais o fazia tremer a voz. Sei, não porque tenha me contado, que fora ganhar a vida, procurar algo melhor para ele, mamãe e a penca de filhos. Seu irmão mais moço já tinha ido e era um próspero dono de ótica em Botafogo. Deve tê-lo instigado a mover-se e dar um salto.


Mas não deu. Apesar de ser um homem inteligente, sua cabeça provinciana não o deixava ir muito além da Rua das Portas Verdes e da cidadezinha entre morros. Lembro muito bem o dia em que voltou. Todos o vimos descer do ônibus, sorridente, no terno branco.


Ouvi-o também, muitas vezes, desfiar elogios a Fortaleza, onde dois irmãos desfrutavam uma vida aparentemente boa. Era assim o Velho: maravilhava-se com as cidades grandes, visitava-as vez em quando, mas preferia admirá-las de longe.


Por que estou falando isso? Porque me acho parecido com meu pai. Outro dia mesmo, sob algum pretexto, fui a Fortaleza. Sou obrigado a confessar que senti mais tédio que encantamento. Certamente, não é mais a cidade que deslumbrou meu pai na década de 60 nem depois que enviuvou, antes da virada do século.


Meus passos incertos me levaram ao Parque Rio Branco, onde faço caminhadas matinais, sempre que vou à terra da Padaria Espiritual. A não ser pelo que carrega de humano, o percurso até lá não me deixou nem um pouco empolgado. Sob o viaduto da 13 de Maio, não longe da igreja de Fátima, várias pessoas dormiam sobre colchões sujos ou em cima de papelões. Os que passavam por ali, não poucos, encaravam, ou fingiam encarar, com naturalidade aquele espetáculo. Também passei e, enquanto esperava o semáforo abrir, notei outros viventes, como mototaxistas e o vendedor do jogo do bicho. Pareciam à vontade e até sorriam. Sobre colunas cinzas, o viaduto erguia sua grande asa imóvel.


Quando cheguei ao Parque, na Pontes Vieira, logo na entrada, meio protegido pelas árvores, havia um rapaz estirado sobre o banco. Dormia profundamente. Transpus pequena ponte sobre o que havia sido um córrego, e não pude deixar de admirar a beleza daquele lugar meio abandonado. Não vou descrevê-lo. Apenas dizer que as árvores são o que há de melhor ali, povoando o caminho onde foram feitas trilhas calçadas para caminhadas e corridas.


Em cada canto, gatos de todas as idades e tamanhos, feios, de tão tristes. Perto do anfiteatro ao ar livre, outro rapaz desmaiado sobre o banco. De repente, dois adolescentes atravessam o espaço central, abrigam-se sob a cobertura de um banco de sentar e ficam se drogando. Procuro um lugar solitário, mas logo percebo alguém de boné me observando.


Fui embora pensando como seria bom se pudesse desfrutar do Parque. Mas logo concluo que é impossível. Desgosto semelhante senti há poucos dias em Teresina. Caminhava pela Raul Lopes e resolvi dar uma esticada até a Potycabana, natarde rubra. Sobre o gramado da margem do Poty, perto da ponte, muitos adolescentes, quase todos vestindo preto, conversavam em pequenos grupos e fumavam. Dava pra ver quando se ocultavamnas sombras para queimar a pedra, as asas negras, caídas.


O leitor não sabe que estou de férias. Talvez seja de opinião que devesse entreter a mente nesse período com assuntos mais amenos.Qual o quê?! Pensamentos podem vir a qualquer momento. Tem liberdade para entrar na crônica. A dor me ensina a escrever.


Como sou mais provinciano que meu pai, para me completar, me redimir ou me curar, resolvi, nos últimos dias de folga, levar a família para acampar no Cajueiro Torto,à margem de um riachinho,a menos de vinte quilômetros de Oeiras. É um lugar onde se pode ouvir o silêncio e mergulhar nas águas frias. Depois que escurece, nossa varanda é a galáxia infinita.

* Rogério Newton é escritor e poeta de Teresina (PI) – rioroger@yahoo.com.br

 

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