Pedestre contumaz, caminho por Fortaleza o máximo que posso. A última caminhada me deixou assustado. Tinha que ir até a Praça Imprensa, na Joaquim Távora, e saí da Praça Luíza Távora, na Aldeota, disposto a enfrentar a distância. A minha intenção era a de fazer um passeio. Dizem os médicos que é bom fazer exercício e, entre os exercícios, aconselham a caminhada. Assim, fui andando.


Acostumado a caminhar em Copacabana, quando morei no Rio de Janeiro, nunca imaginei que uma caminhada como aquela fosse me deixar confuso. No início não vi muita diferença entre a Carlos Vasconcelos e a Torres Câmara, por onde costumo andar, e as outras ruas. Daí há algum tempo, porém, algo me chamou a atenção. As ruas de Fortaleza, por incrível que pareça, estão desertas. Há muitos carros sobre o asfalto. As calçadas, no entanto, não têm ninguém. Eu era o único que andava por elas. De vez em quando me deparava com uma lanchonete ou botequim onde se encontravam algumas pessoas e nada mais.


Passada aquela pequena aglomeração, as ruas voltavam a ficar vazias. Isso me deixou preocupado e pensativo. Afinal, que tipo de cidade é esta onde moro? Será ela destinada às pessoas ou aos automóveis? Pelo que pude ver, era mais destinada ao carro do que ao homem. E com um pequeno detalhe. Todos os carros que passavam por mim tinham as janelas hermeticamente fechadas e talvez não precise dizer que, como os vidros eram escuros, não dava para ver ninguém em seu interior. Assim, a sensação que eu tive foi a de que andava em uma cidade vazia ou fantasma, habitada por automóveis, apenas, e não por seres humanos. A única pessoa que existia, naquele momento, era eu que insistia em me locomover tal como os homens das cavernas me servindo, para isso, dos próprios pés e não dos pneus de um carro.


A coisa chegou a um estágio tal, a certa altura, que se alguém me dissesse que figurava em um filme de ficção científica, eu acreditaria. Também, se me dissesse que não estava no planeta Terra, mas em outro, desconhecido, acreditaria. Disse alguém certa vez, na televisão, que Fortaleza é um cemitério para quem anda a pé. A primeira vez em que ouvi isso, achei que fosse exagero. Hoje digo que não. É verdade. Fortaleza é, de fato, um cemitério para o pedestre. A única diferença entre este e os carros que circulam em torno dele é que os carros nem sempre circulam, tartarugam. A cena é terrível. Para não dizer dantesca. Carros e mais carros mal se locomovendo uns atrás dos outros. Todos eles enfileirados e fechados em um universo para o qual ninguém tem acesso. De tão silenciosos e compactos, dão a impressão de que são pequenas fortalezas.


Disse alguém, em outro lugar, ou foi uma propaganda, que o automóvel pode ser a extensão da própria casa e, para provar isso, falava do conforto que ele oferece quando alguém sai de casa para o trabalho. O que tal propaganda não dizia é que ele também pode ser a extensão da fortaleza onde se mora, atualmente, e não da casa já que as pessoas deixaram de morar em casa para morar em pequenos burgos cercados por arames farpados, câmeras e guardas de segurança. Talvez por isso Fortaleza, a cidade do humor e da alegria, deixou de ser a mesma do tempo em que cultivava o Cajueiro da Mentira ou que se divertia com o Bode Ioiô na Praça do Ferreira. Transformou-se nessa coisa absurda. Boa só para automóvel.


Natalício Barroso é jornalista e escritor

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here