A cena apoteótica da personagem autista Linda, da novela “Amor à Vida” vivida por Bruna Lynsmeyer, dividiu pais de autistas e profissionais. O maior mérito à abordagem de Walcyr Carrasco ao Autismo foi o de chamar atenção para o tema em uma escala inédita. A comunidade Autismo Brasil no Facebook, da qual sou um dos moderadores, quadruplicou em número de participantes. As aparições da personagem quase sempre geraram elogio ou protesto.


Vejo a personagem Linda como uma autista “didática”. Ao longo de diversos momentos da novela, ela representou autistas de vários pontos do espectro, o que é raro acontecer na mesma pessoa. Houve, além disso, a atitude coerciva e super-protetora da mãe da personagem, apontada pelos demais personagens como sendo culpada das dificuldades da filha.


A fala apoteótica da personagem foi uma adaptação de um depoimento de Carly Fleischmann, uma garota considerada de “baixo funcionamento” que descobriu no computador um profuso meio de expressão, comovendo o mundo ao demonstrar que havia uma subjetividade por trás de uma aparência de profundo alheamento. Mas o Autismo é um fenômeno complexo cuja apresentação varia amplamente, e casos como o de Carly Fleischmann são raros.


A tarefa de criar um autista hipotético que represente fielmente a condição é impossível. Só foi tentada em filmes cujo argumento é a velha e ultrapassada tese das “mães geladeira”, a de que o Autismo é resultado de um amor inadequado.

Por mais que o Autismo tenha sido apresentado como uma diferença biológica na novela, é difícil não ver na mãe de Linda vestígios dessa imagem tão prejudicial.


Por outro lado, a ideia — muito em voga na internet — de que os autistas são “anjos azuis” assexuados é refutada impiedosamente pelo romance entre Rafael e Linda, que embora envolvido em um manto de “pureza”, é claramente uma relação erótica.

Depois, o tratamento, mostrado em curtas cenas onde a atriz fazia esteira e arte-terapia, e iniciado tardiamente, dificilmente produziria os avanços mostrados.


No entanto, a questão de se e como pessoas com Autismo grave devem viver sua sexualidade é válida, e deve ser formulada sem pieguice ou comiseração. O problema que vejo é a difusão de fórmulas simplistas como “o amor cura tudo”. A maioria das pessoas autistas precisa de atenção a vida inteira. Se o amor tem um papel, é o de transformar o que é facilmente visto como um fardo em um empolgante caminho de aprendizado e crescimento para quem convive com pessoas autistas.


Alexandre Costa e Silva é psicólogo e psicoterapeuta da Casa da Esperança

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here