O amor pela escrita chegou cedo. Com cartinhas para os pais ou através de diários, onde já se aventurava pelas linhas da poesia, Joice Nunes dava mostras da sensibilidade que guiaria seu rumo para a literatura. Na fase adulta confirmou o que a criança já previa. A escrita era o caminho. Do blog para a revista, das páginas do jornal impresso para as de um livro, resultando no “Metropolis”, publicação premiado no edital de literatura da Secretaria de Cultura de Fortaleza. A trilha começou, levando Joice para terras distantes, em Dublin.


Na Irlanda, a saudade, a reflexão sobre sua própria construção e a análise de quem está longe de sua terra natal foram transformadas em mais um livro, o “Maersk Alabama”. A obra reúne textos escritos durante o ano de 2013, durante a estadia da autora na cidade de Dublin. Joice refletiu, a partir da ótica da ausência, sobre a importância do mar de Fortaleza para a constituição de si mesma. Os textos também fazem uma crítica ao modo através do qual a cidade vem sendo erguida, priorizando a lógica de uma pretensa modernidade em detrimento de sua história.


Acompanhando o trabalho da escritora, as ilustrações de Ramon Cavalcante dialogam de forma profunda e sensível com todos os textos. “O Ramon Cavalcante é um dos melhores ilustradores da cidade. É uma pessoa sensível e com quem eu tenho uma relação de amizade muito forte. Eu posso afirmar que as ilustrações dele estão totalmente conectadas com os textos, até porque partilhamos da mesma ideia de cidade”, explica Joice.


No domínio das letras, talhada na simplicidade do cotidiano e mestre na condução de sua própria sensibilidade, Joice Nunes relata a experiência de escrever o “Maersk Alabama”, uma produção independente, além de pontuar os desafios da profissão em terras cearenses. Confira abaixo, a entrevista exclusiva da escritora ao site da Agência da Boa Notícia.

Agência da Boa Notícia – Para começar, fala um pouco sobre você e sua vida como escritora. Quais são os outros trabalhos, além do Maersk Alabama?

Joice Nunes –
Eu sempre escrevi. Desde pequena. Escrevia cartas para os meus pais, escrevia em diários, arriscava poemas. Depois, já adulta, criei um blog para publicar meus textos. Hoje este blog nem existe mais. Em 2011, comecei a publicar meus textos bimestralmente na Revista Aldeota. A partir daí, comecei a ser chamada para escrever textos esporadicamente no jornal O Povo, em cadernos especiais com temas específicos. Em 2012, eu e mais seis escritores lançamos um livro chamado Metropolis, pela editora La Barca. Este livro foi premiado no edital de literatura da Secretaria de Cultura de Fortaleza. Também tive textos publicados em um audiolivro organizado pela Faculdade Sete de Setembro, que organizou uma coletânea com escritoras cearenses voltada para pessoas com deficiência visual.

ABN – O nome Maersk Alabama é curioso. Explica o que significa esse nome.

Joice Nunes –
Maersk Alabama é título de um dos textos que compõem o livro. Eu estava escrevendo um texto sobre piratas (que na verdade é uma metáfora dos tempos de crise que estamos vivendo no mundo) e comecei a pesquisar sobre o assunto. Foi então que li uma notícia de 2009 sobre um navio cargueiro de bandeira norte-americana, chamado Maersk Alabama, que havia sido sequestrado por piratas somali. Na mesma hora, sem uma sombra de dúvida, eu incluí este nome do meu texto. Eu o escolhi para ser o título do livro porque, além de achar um nome muito bonito, o texto diz muito do que venho sentindo e pensando sobre os caminhos que a humanidade tem percorrido, quer dizer, estamos todos no mesmo navio, sendo atacados de todas as formas e tentando a todo custo escapar dos saques e sequestros.  Como eu disse, é uma metáfora, e acho que cada leitor vai entender à sua maneira.

 
ABN – No resumo do livro, você fala como a distância de Fortaleza impulsionou esse trabalho. Do que se trata a obra? É uma narrativa pessoal ou você se distancia para criar essa reflexão crítica de como Fortaleza desvaloriza a própria história em prol da modernidade?

Joice Nunes –
Alguns textos são narrados em primeira pessoa, outros em terceira. Se eu tentar resumir o livro em três palavras, eu diria: mar, saudade e melancolia. Eu acho que não há como separar as questões pessoais nos textos literários. De alguma maneira, não importa o tema, um pouco ou muito do autor está ali. Você pode tentar manter uma certa distância, mas é impossível não dissociar aquilo que você é daquilo que você faz. O ser humano é uno. Não acredito em neutralidade. No caso do Maersk, eu diria que se trata de um relato em prosa e poesia de uma pessoa que passou um ano distante de sua cidade natal, morando em um país de culturas e hábitos completamente diferentes, o que poderia ter sido muito bom (não estou afirmando que foi uma experiência ruim, mas a minha ligação com Fortaleza é tão forte que havia sempre algo me puxando para os lados de cá). Sobre essa questão da modernidade, ela aparece em dois textos que foram escritos em momentos de grandes turbulências políticas em Fortaleza. E eu sofria por não estar próximo, por não poder ajudar de forma concreta. Escrever esses textos foi uma forma de dizer ao mundo o que eu penso sobre a nossa classe média alta, sobre o padrão de cidade que vem sendo imposto pelos que governam e pela parcela abastada da cidade. É muito triste, por exemplo, ver lindos prédios históricos sendo destruídos para construir estacionamentos, enquanto alguns aplaudem os “modernos” empreendimentos que atendem aos interesses de um número muito pequeno da população.



ABN – Como surgiu a parceria com Ramon Cavalcante? As ilustrações conseguem traduzir o contexto da leitura?

Joice Nunes –
O Ramon Cavalcante é um dos melhores ilustradores da cidade. É uma pessoa sensível e com quem eu tenho uma relação de amizade muito forte. Nós somos como irmãos. Há muito tempo tentávamos colocar pra frente algum projeto juntos, e dessa vez deu certo. Eu posso afirmar com veemência que as ilustrações dele estão totalmente conectadas com os textos, até porque partilhamos da mesma ideia de cidade, temos visões muito parecidas sobre várias questões. Fico extremamente feliz que estejamos juntos nessa jornada náutica.

ABN – Sua estadia em Dublin traçou as linhas do livro. Como é Dublin, comparada a Fortaleza com relação à preservação histórica?

Joice Nunes –
Dublin é uma cidade que respira história. Existem igrejas que datam do século XII, como St. Patrick’s Catedral. A universidade mais respeitada da Irlanda, a Trinity College, que foi fundada em 1591 e ainda hoje recebe alunos para cursos de graduação. Isso sem falar nos castelos, parques e até mesmo pubs históricos. O pub Brazen Head, por exemplo, tem mais de 1.000 anos! Outra coisa que chama a atenção é o fato de ser a cidade natal de muitos dos maiores escritores da humanidade, como James Joyce e Oscar Wilde, por exemplo.

ABN – Ainda no resumo do livro, você também fala sobre a importância do mar em sua construção. No lançamento do livro haverá projeção de “fotografias antigas e atuais de figuras anônimas nas praias de Fortaleza”. Qual é a sua relação com o mar e por que destacar o anônimo nas praias da Capital?

Joice Nunes –
Meus pais se conheceram na praia. Minha mãe, principalmente, era uma “menina do mar”. Ela me levava todos os fins de semana para pegar um sol e tomar um banho nas praias de Fortaleza. Para mim, o mar tem uma potência de cura e de calmaria. Assusta e traz leveza a um só tempo. E é inegável a forte relação que os fortalezenses têm com o mar. É só observarmos o principal destino das pessoas quando elas têm uma folga. A ideia das fotografias foi retratar a paisagem da nossa cidade no passado e hoje. Acho que isso, sobretudo para os mais velhos, dispara o gatilho da memória. Faz com que reflitam sobre as mudanças que aconteceram desde então. Foi interessante observar o envolvimento e a alegria das pessoas ao enviar as fotos. Dava para perceber o quanto isso é importante para elas também. Essas fotografias serão projetadas em 3d mapping, que é uma técnica que permite projetar imagens tridimensionais. Elas serão alternadas, misturadas, com os filmes “É proibido pular”, do diretor Lucas Coelho, e “Riozinho”, da produtora Nigéria. Quem está fazendo esse trabalho é o Dimitri Lomonaco, e o resultado vai ser sensacional.

 
ABN – O livro será lançado em 30 de julho no Mambembe. Quanto ele vai custar e onde ele poderá ser adquirido?

Joice Nunes –
Isso. O lançamento será dia 30 de julho no Mambembe (Rua dos Tabajaras, 368), uma quarta-feira, às 19h. Além das projeções, que serão sem som, teremos os djs Darwin Marinho e Estácio Facó com uma seleção de músicas bacanas. O livro custará 30 reais e vai ser vendido no próprio Mambembe, no dia do lançamento.

 
ABN – O Brasil é reconhecidamente um país com pouco hábito de leitura. Ainda contra nós, tem a fragilidade na educação brasileira. Como ser escritor nesse contexto?

Joice Nunes –
Acho que o problema não é ser escritor nesse contexto. O problema reside na metodologia adotada pelas escolas, que obrigam os alunos a lerem livros que muitas vezes não condizem com sua faixa etária. Quem disse que um garoto de 12 anos quer ler Machado de Assis ou Jorge Amado? E por que eles leem esses livros? Somente para decorar nomes de personagens para não errar na hora da prova? Isso não faz nenhum sentido. Essa imposição gera uma verdadeira aversão dos alunos à leitura. Um autor chegou a comentar, acho que foi o Eduardo Sterzi, que somente hoje, depois de 30 anos de idade, ele se sente preparado para ler certos livros de Machado de Assis. O leitor vai se formando devagar, e ele deve ler por prazer os livros que são próprios para a sua faixa etária. Aos poucos, com o passar do tempo, é que ele vai apurar seus gostos e se encontrar com autores interessantes.

ABN – Além do pouco incentivo à leitura e educação, o mercado editorial é bem fechado. Em sua análise, como o escritor brasileiro sobrevive à essa realidade? Como você editou o Maersk Alabama?

Joice Nunes –
É fato que para a maioria dos escritores é praticamente impossível viver do que se escreve. Eu, por exemplo, trabalho como revisora de textos e preparadora de originais, mas o que eu acho importante, independente da situação do mercado editorial brasileiro, é que as pessoas escrevam, produzam cada vez mais. Existem diversas formas de publicar um livro. Existem os e-books, as publicações independentes, os blogs etc. É claro que ter o aparato de uma grande editora é importante, até mesmo pela publicidade que isso gera em torno da obra do autor, mas eu penso que isso não deve desanimar quem deseja seguir esse caminho. Existem alternativas, e elas estão aí para que as aproveitemos. O Maersk é uma publicação independente, com um lindo projeto gráfico do designer Álvaro Beleza, que hoje é um dos maiores profissionais desta área no Ceará. A mim não importa se ele é uma edição do autor ou uma publicação ligada a uma editora. O que importa é que ele esteja no mundo.

 
ABN – Mesmo diante dessas dificuldades, é inegável a qualidade da literatura brasileira. Quais são as recompensas em escolher essa profissão (ou missão)?

Joice Nunes –
O ato de escrever já é uma recompensa, não importa se o texto será publicado em livro ou não.  Não sei se posso dizer que seja uma missão, mas uma tarefa da qual nós, escritores, não conseguimos nem podemos abrir mão.

 
ABN – Atualmente, no universo cearense, quem são os escritores que se destacam. Por quê?

Joice Nunes –
Eu sou fã do Urik Paiva (que ainda não lançou um livro, mas deveria. Seus escritos são genais), da Natércia Pontes, que recentemente lançou o livro Copacabana Dreams pela editora Cosac Naify, da Mariana Marques, Fernanda Meireles, Tércia Montenegro, Ruy Vasconcelos, Virna Teixeira… Nossa! A lista é extensa. Temos escritores maravilhosos no Ceará, mas que por falta de oportunidade e às vezes por um certo receio da exposição, acabam não tendo a visibilidade que merecem.

 
ABN – Em sua análise, o que pode mudar o contexto brasileiro no tocante ao pouco hábito de leitura e carência de políticas de incentivo?

Joice Nunes –
Se as pessoas ainda não vão à biblioteca, que o livro vá até elas. Existe um programa chamado Agentes de Leitura, no qual o educador vai até as casas das pessoas, conversa sobre a importância do livro e faz empréstimos. Quando essa pessoa acaba de ler, devolve e já pode pegar outro. Isso é fantástico. No entanto, temos que pensar também que o preço que pagamos para adquirir livros em livrarias é muito alto. Se somos um país onde uma boa parcela da população vive em uma situação financeira difícil, como é que se pode exigir que elas adquiram livros? E onde os investimentos em bibliotecas públicas que tenham um bom acervo? A escola pode ser peça fundamental nesse quebra-cabeça, mas a metodologia atual, que impõe aos alunos o que eles devem ler, não contribui em nada para a formação de leitores

ABN – Como você avalia o novo mercado de livros digitais?

Joice Nunes –
Eu acabei de adquirir um Kobo e achei fantástico. Comprei as obras completas do Machado de Assis por R$ 2 e a antologia poética de Fernando Pessoa pelo mesmo preço. Não acho que isso vá fazer com que a produção de livros em papel diminua. Para mim, não há dilema. São formatos diferentes, apenas isso. Não vou deixar de ler livros em papel apenas porque possuo um e-reader. Minha biblioteca continuará firme e forte. Quero ter uma casa repleta de livros, mas também quero ter a oportunidade de adquirir e-books a preços mais baixos.

ABN – Para finalizar, qual é o principal entrave, atualmente, na literatura brasileira?

Joice Nunes –
Não acho que exista um entrave na nossa literatura. Temos grandes autores, e é até difícil para mim elencá-los: Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Hilda Hilst, Ana Cristina César, Clarice Lispector etc. Atualmente temos muitos autores que são, inclusive, nomes de peso, como o Daniel Galera, Alice Sant’anna, Michel Laub, Beatriz Bracher, entre outros. Muitos deles estão despontando no mercado internacional, tendo seus livros traduzidos em diversas línguas.  Vários foram selecionados pela Revista Granta, criada em 1889, em Cambridge, e que lançou autores como Ian McEwan e Jonathan Franzen, por exemplo.

Lançamento do livro Maersk Alabama

Autora: Joice Nunes

Ilustrações: Ramon Cavalcante

Data do evento: 30 de julho de 2014 (quarta-feira)

Horário: 19h

Local: Mambembe – Comida e Outras Artes, Rua dos Tabajaras, 368 – Praia de Iracema

Mais informações: (85) 9658-1965/3035-0120


 

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