Dom Helder Pessoa Câmara, por sua simplicidade, humildade e estatura franzina, nos faz lembrar o jumentinho que Jesus escolheu para montar, na sua entrada em Jerusalém, animal sem aparente beleza, mas de uma importância, força e resistência extraordinária (cf. Mt 21, 2-8).

O pastor dos empobrecidos foi assim, no seu temperamento e na sua audácia sem limites, isto acontecia quando tinha que defender seus pontos de vistas, com um profundo desejo, usando de todos os meios possíveis, para que a Igreja se engajasse na causa dos empobrecidos, que fosse mais servidora e mais fiel a vontade daquele que a instaurou e menos “senhora e rica”.

Falamos de uma criatura humana extremamente habilidosa e com uma desenvoltura, que se tornou o mais influente bispo brasileiro no Concílio Vaticano II (1962-1965), a ponto de decisivamente contribuir para que a Igreja, no nosso continente latino americano, nos anos que se seguia, fizesse a sua “opção profética e preferencial pelos pobres”. Segundo o grande teólogo José Comblin, falecido recentemente, aos 88 anos, que conviveu muito de perto com o querido arcebispo de Olinda e Recife, dizia: “Ele era um articulador de primeira grandeza, com noção de que, às vezes, sua influência seria maior se ficasse calado e não se manifestasse”.

Muitas vezes seus próprios colegas bispos ignoravam de onde vinham as excelentes propostas contribuições que estavam votando, narra José Combiln.Já bem antes do Concílio, as vésperas da inauguração de Brasília, Juscelino Kubitschek chamou Dom Helder e o convidou para ser o prefeito da nova capital federal, sendo insistente. Afirmou que tinha o parecer favorável de todos os líderes partidários, depois de consultá-los.

Dom Helder recusou polidamente, dizendo: “Hoje, senhor presidente, eu estou aqui, frente a frente, debatendo com o senhor pontos de vista com absoluta liberdade e sem condicionamentos de qualquer ordem. No dia em que me incorporar ao seu grupo de comando, dentro das injunções concretas das práticas políticas, eu estarei amarrado, balançando a cabeça para concordar com o que o senhor disser, deixando de lhe trazer a colaboração original e independente da Igreja. Eu quero ter sempre um canal de diálogo livre e respeitoso com o Estado para cobrar o seu dever. Quero fazê-lo em nome de Deus e do povo. Quero ser a boca dos que não têm vez nem voz”.

Compreendemos a força e a habilidade de Dom Helder, a partir daquilo que é belo e maravilhoso no poeta ou escritor, ao externar o que tem dentro de si: suas fantasias e suas ideias. Aquilo que ele tem na mente e no coração, releva-a e manifesta-a. Assim, também, foi o que aconteceu com os autores sagrados, ao redigirem as Sagradas Escrituras.

Há tanta coisa bonita e surpreendente, muitas vezes, com tanto exagero, que se tem a impressão de se ir além do sagrado. No último versículo do Evangelho de São João o autor sagrado afirma que o que Jesus realizou, neste mundo, é belíssimo e maravilhoso e, se tudo fosse escrito, livro algum caberia. O milagre da multiplicação dos pães (Mt 14, 13-21), finda dizendo: Os que comeram dos cinco pães e dos dois peixes eram cinco mil homens sem contar mulheres e crianças.

Estudiosos e especialistas da Palavra de Deus, sem negar, evidentemente, a divindade do Filho de Deus, acham um exagero, para aquele tempo, o grande número de pessoas.Deus fez o homem com uma imaginação fértil e criadora, chamando-o para participar da sua natureza divina. Aí está sua grandeza. A terra tornou-se pequena para caber a criatura humana, grandiosa na sua capacidade de imaginar e realizações em todos os sentidos.

Padre Manfredo Oliveira, cearense de Limoeiro do Norte, grande figura humana e um dos maiores filósofos da atualidade, na sua mente dadivosa, foi extremamente feliz, ao afirmar que Dom Helder não cabia dentro da Igreja. Certamente ele quis enaltecer sua força imaginadora, talentos, sensibilidade e a inteligência privilegiada do pastor dos empobrecidos, que com habilidade soube perceber todas as novidades e desafios do século XX e colocá-los no seu coração, procurando dar-lhes uma resposta, indo da criatura humana, na sua dignidade de filho de Deus.

Já o Cardeal Aloísio Lorscheider falava de Dom Helder, assim: “Foi um corifeu, com uma visão de futuro e com grande influência, muito respeitado e inquieto como uma barata tonta: Sua tribuna foi sua sabedoria em agir e articular nos bastidores”, com uma oratória vibrante e com gestos rasgados que sensibilizavam e arrebatavam as multidões. Tudo ele realizava, numa atitude de oração e na fidelidade ao Pai, no seu amor acendrado à Igreja. Ele mesmo dizia: “Abandonar a Igreja seria o mesmo que abandonar o meu próprio corpo”. 

Por isso devemos acolher tudo o que se disse e o que ainda irão dizer desse homem profundamente amado por Deus. Ele, na força e habilidade mística, via tudo em Deus e a partir de Deus. Extraordinária figura humana, profundamente marcada pela esperança, de fato é grande demais, e a Igreja é pequena para comportá-lo.

Pe. Geovane Saraiva, Pároco de Santo Afonso

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