Como vou lamentar se a cidade é fantástica!!! Verdade… não existe aeroporto ainda. Também, como justificar um para atender a 14 mil habitantes? Claro que não tem e claro que tão cedo não terá. E isso é apenas mais um dos encantos de lá.

Como sempre, tive que ir à rodoviária para agendar minha viagem pro ‘lado de lá do Ceará’. Trajeto demorado, mas prazeroso, só por saber que em apenas 6 horas de sono profundo – geralmente durmo a viagem inteira – estarei chegando perto do paraíso, não fosse o reinado PSDBista há quase duas décadas. Costumo dizer que nenhum povo merece a desdita de ter um mesmo grupo no poder por muito tempo, sob pena desse grupo se apoderar da região pra si, se apoderar do próprio povo. E é exatamente isso o que acontece por lá.

Paro no semáforo e sem ter o que fazer, enquanto rola a discreta suavidade de Enya, olho absorto ao meu redor e vejo na esquina um velho senhor aparentando seus 70 anos, sentado no chão de chapéu e óculos escuros, com uma latinha de goiabada sem a tampa bem à sua frete, como se largada ali perto de suas pernas.

Pobre cego, pensei! Não precisava ser nenhum gênio para deduzir isso: sentado e encolhido na calçada, de chapéu e óculos escuros, cabeça reclinada para frente como quem ora e a mão estendida como quem suplica.

Temos o reflexo mental de nos apiedar de cenas como esta. Logo pensamos no contexto social injusto a que os políticos nacionais nos impõem dia após dia, década após década, em mandatos sucessivos impregnados de profissionais inertes e inférteis. Como posso combater isso se nada sou além de cidadão!!!

Fico apreensivo ao ver que na mesma calçada, indo na direção daquele senhor sentado, aparece outro mendigo, este com uma aparência menos humilde, mais debochada e de aspecto mais maltrapilho, muito mais sujo por sinal. Aproxima-se aos poucos, passos lentos e vacilantes, andando bem perto do muro como se não quisesse ser notado.

Com a escola que temos e que nos é imposta de cima pra baixo – entenda-se casos Mensalão, Palocci, filhos ricos de Lula, falcatruas no Congresso, no STF e adjacências -, lógico que me veio um pensamento mau, porém inevitável: ele irá se aproveitar do pobre cego e levar o apurado do dia. Nossa!!! Gelei com a possibilidade de presenciar uma cena tão mesquinha, tão vil, tão humilhante que seria um necessitado agredindo outro, como se dois ursos famintos disputassem o mesmo peixinho de um aquário.

O maltrapilho se aproxima; engatilho abrir a porta do carro; tiro o cinto de segurança; abro a porta e já estou em pé fora do carro pronto para interceder; o maltrapilho se agacha em frente à latinha de goiabada; já estou contornando o carro; ele pega uma moeda que está no chão ao lado da latinha e a coloca de volta; e segue seu caminho trôpego, ora no muro, ora na guia.

E agora…, como justificar que alguns, apenas pela ambição e pela vaidade do acúmulo de riquezas, se corrompam!!!

Valcir Machado – servidor público e blogueiro

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