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Foto: Mateus Dantas / O Povo.
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Na quarta-feira da semana passada (14/02/2018), saí da rotina e, talvez por um pressentimento, combinei de buscar meus dois filhos na escola onde estudam, na Flórida, para que fizéssemos um passeio juntos. No caminho, meu filho ligou e disse que estava saindo antes de a aula acabar, por causa de um alarme de incêndio. Comecei a ligar insistentemente para minha filha. Em instantes, vi helicópteros e carros de polícia por todos os lados, enquanto meu filho avisava: “Papai, tem um atirador na escola, mas já estou na rua.”

Comecei a rezar em agradecimento a Deus por ele, e, sobretudo, pela proteção da filha que ainda estava lá e não atendia o celular. Meia hora depois, ela ligou chorando: seu professor fora morto no momento em que fechava a porta da sala para proteger os alunos, e, por um milagre, o atirador não percebeu que ela e os colegas estavam lá dentro.

Na porta da escola, encontrei pais desesperados. Procurei acalmá-los. Um deles gritou com um policial que fazia a barreira, e virou-se para mim, aos prantos: “Armas, armas… eles sabem! Já é a vigésima escola. Até quando?”

O massacre deixou 17 mortos e famílias destroçadas. O episódio, que o destino me fez vivenciar de perto, reforçou a convicção que eu já tinha antes de chegar à Flórida, em 2015: a política de armas dos Estados Unidos é fracassada. Um controle é fundamental, mas, ao invés de rigor na venda de armamentos, a Associação Nacional do Rifle (NRA) vem com uma proposta quase inacreditável: armar professores.

A tragédia americana reforça o meu temor pela pressão que o Congresso brasileiro vem recebendo para liberar armas de fogo para a população, uma irresponsabilidade sem precedentes. Entendo o desespero de muitos que acreditam ser esta a melhor solução para a sua defesa pessoal, tendo em vista a falência de nossa segurança pública. Mas revogar o Estatuto do Desarmamento seria um equívoco terrível. Não apenas repetiríamos o erro americano. Iríamos além, pois nosso país, sem estrutura para garantir a resposta rápida e eficiente da polícia, ainda carrega o estigma da impunidade, patrocinada por boa parte do nosso Judiciário.

Em alguns estados americanos, se você apontar a arma para alguém, mesmo sem disparar, pode ser condenado a mais de uma década de prisão. Isso não basta para impedir os massacres, facilitados pelo livre acesso às armas. Liberar as armas no Brasil equivale a pretender apagar um incêndio com querosene.

Um dos argumentos dos que defendem a liberação é que, apesar de terem mais armas em circulação do que o Brasil, os EUA registram muito menos mortes. O argumento se baseia numa comparação falaciosa de grandes potências com um país onde a violência urbana decorre da soma de diversos fatores, incluindo distribuição de renda, qualidade da polícia e do Judiciário, falta de acesso à educação e políticas de controle de armas.

Na comparação com outros países desenvolvidos, os EUA ficam muito mal: ocupam a liderança dos homicídios por arma de fogo, com 29,7 homicídios a tiros a cada um milhão de habitantes, taxa seis vezes maior do que a do Canadá, por exemplo. Isso por uma diferença fundamental: facilidade de acesso às armas. No Brasil, segundo estudos citados no Atlas da Violência 2017, mais armas também significam mais mortes: a cada 1% de aumento na circulação de armas, estima-se que a taxa de homicídios cresça 2%.

O controle de armas não é uma questão ideológica. Estamos tratando de vidas. O pesadelo por que passamos aqui nos leva a refletir sobre os riscos de se copiar o modelo americano no Brasil, e sobre a necessidade de nos unirmos pela paz e pelo bem de nossa sociedade. Já disse Gandhi, também assassinado a bala: “Olho por olho e a Humanidade acabará cega.”

*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo. Reproduzido no portal da Agência da Boa Notícia com a autorização do autor.

**Luís Eduardo Girão é empresário e ex-presidente do Fortaleza Esporte Clube

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