Longe de mim me contrapor a qualquer pessoa que queira transformar um livro difícil como o Ulisses de Joyce, em uma leitura mais palatável. Afinal, eu mesmo fiz algo parecido quando, baseado em uma frase de Antônio Cândido, na qual o crítico paulista, que nasceu no Rio de Janeiro em 1918, dizia que Tomaz Antônio Gonzaga, aquele poeta da Inconfidência Mineira, foi o primeiro a abandonar a “tralha mitológica” para fazer uma literatura genuinamente brasileira, escrevi um livro intitulado “Tralhas Gregas e Outras Tralhas” por intermédio do qual faço o resumo da “Ilíada”, “Odisseia” e “Eneida”.


Isso que foi feito por Patrícia Engel Secco, no entanto, com o apoio do Ministério da Cultura, é um absurdo. Afinal, uma coisa é passar, para a prosa, poemas como a “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, que também está no livro das Tralhas, “Paraíso Perdido”, de John Milton, “Fausto”, de Goethe, e “Os Lusíadas”, de Camões. Outra, bem diferente, é pegar Machado de Assis, que escreveu em português, ainda que do século 19 e, sob a falsa alegação de que a linguagem do Bruxo do Cosme Velho é de difícil acesso para o leitor moderno, tentar transformar “Dom Casmurro”, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e até “O Alienista” em um texto popular, como se já não fosse.


A picaretagem é tão grande que José Miguel Wisnik, fazendo uma análise de “O Alienista” editado por Engel Secco com o apoio do Minc, faz as seguintes observações: “o filho da nobreza”, no original de “O Alienista”, vira “o filho de nobres” na versão do Minc; “regendo a universidade” se transforma em “dirigindo a universidade” enquanto “o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas” perde o plural em “das Espanha” para virar “da Espanha”, apenas. E não para por aí. “Achou-se a mais desgraçada das mulheres” mudou para “considerou-se a mais desgraçada das mulheres”. Não dá para entender. Se o texto veio para facilitar, por que o termo “achou-se”, usado por Machado de Assis, que é muito mais popular hoje em dia, se transformou em “considerou-se”, que é mais erudito?


Aí está a picaretagem. Nada justifica isso que estão fazendo com Machado de Assis e que, em breve, farão com Lima Barreto, certamente, e José de Alencar. E olha que foram editados 300 mil exemplares do “Alienista”, apesar da resistência de alguns intelectuais menos, por incrível que pareça, de Carlos Heitor Cony, que perguntado sobre o assunto em uma emissora de rádio disse o seguinte. Achava natural este projeto.


Ele mesmo, explicou, fez algumas adaptações como estas. E citou “O Ateneu” de Raul Pompéia. Havia um termo no “Ateneu”, por exemplo, que teve que mudar, imediatamente, para “sacana” porque, segundo ele, os estudantes de hoje não haveriam de entender a palavra “malvado” e, se entendesse, esta palavra, hoje em dia, tem uma conotação homossexual e não masculina como naquela época. E o pior, nisso tudo, é que dá, perfeitamente, para entender Machado, Lima Barreto ou José de Alencar. Basta para estas palavras ditas “difíceis”, abrir um pé-de-página para elas. O que é que tem? Melhor do que passar o pé-de-página para dentro do texto original como estão fazendo para ganhar rios de dinheiro.


Natalício Barroso é jornalista e escritor

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here