O sociólogo Jean Baudrillard elaborou distinção entre “cena” e “obsceno”`. Em sua concepção, cena tem ligação com o espetáculo, onde há olhar, distância, jogo e alteridade. De maneira contrária, a obscenidade é a ausência da cena e do distanciamento. O mundo excessivamente real e próximo, defende Baudrillard, é obsceno, tudo nele está de forma imediata, sem encanto. Em uma de suas obras, a escritora Susan Sontag refletiu sobre os meios de difusão e recepção de imagens da guerra e de sofrimento a que somos submetidos diariamente pela mídia, e conclui que somos espectadores de calamidades. Mesmo quando estamos “diante da dor do outro”, tudo que tem sangue vira manchete.
No contexto contemporâneo, a violência ganhou grande visibilidade midiática a partir do momento em que emissoras de televisão perceberam que ela é um forte produto comercial e uma potente ferramenta de controle e manipulação de poder. A predominância de notícias relativas ao mundo do crime, em linguagem popular e cenas chocantes, associadas, em alguns programas, a toques de comicidade, são ingredientes que formam o denominado “jornalismo policial”. Esse tipo telejornal é um dispositivo que pauta a violência na agenda diária de cada indivíduo.
Cotidianamente programas de tevê desse gênero apresentam a seguinte configuração: vítimas ou parentes e amigos de vítimas que expõem livremente suas tragédias pessoais, policiais que assumem papel de herói perante a sociedade e, finalmente os bandidos, aqueles que, particularmente, são exposto à imprensa como “presas“ de policiais ou têm suas imagens expostas para o voyeurismo da opinião, reflexão e julgamento popular. É no âmbito desse gênero jornalístico, visto como esfera de poder midiático, econômico e político, que o homem marginal participa, por alguns instantes, da vida social que o exclui. O secretário de Segurança e Defesa Social do Ceará, Roberto Monteiro, vem implementando rigor ao cumprimento da determinação que proíbe a policiais que apresentem presos à imprensa sem o consentimento destes. Essa medida tem encontrado resistência por parte de segmentos da mídia e polícia.
Na verdade, a garantia que está sendo assegurada aos presos é algo que antecede a polêmica decisão do Secretário. O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos fundamentais, prescreve em seu inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A violação do direito de imagem do preso é, antes de tudo, uma afronta aos direitos humanos positivados na Constituição Federal.
O agente da lei e da ordem que colabora na exposição da imagem do preso, contra a vontade deste, está submetendo-o a uma forma punitiva e ilegal de castigo público, e o profissional de imprensa que viola esse direito, está mercantilizando ilegalmente um direito protegido na Carta Magna.
* Artigo publicado originalmente no jornal O Povo, de 23 de março de 2010, e reproduzido neste site com autorização do autor.