Educar para a paz é um exercício metodológico do diálogo, do cuidar de si e do outro na construção do conhecimento em que está presente a “razão cordial”, a reconexão com tudo e com todos. A paz é um valor “relacionado a todas as dimensões da vida” (Jarez, 2002, p.131). A educação para a paz é a educação para a compaixão, a tolerância, o acolhimento do outro. Compreendo a tolerância como Freire (2004), ou seja, enquanto “virtude da convivência humana (…) – a qualidade de conviver com o diferente, não com o inferior”.

Ainda estamos respaldando uma cultura que visa a perfeição, e  não  a  humanidade (Matos, 2006a, 2006 b). Devemos compreender que somos os sujeitos que podem instaurar esse processo, assumindo-o enquanto construtores coletivos, ou seja, não é possível pensar em paz individual. Somos os responsáveis pela construção de culturas de paz que possibilitem a existência da tolerância e do multiculturalismo, estabelecendo uma agenda definida sobre que bandeiras e ações devemos empreender  (Guimarães, 2005). Diante disso, em todos os espaços, e em especial nas escolas, as posturas e ações cotidianas são registros das opções que podemos fazer pela não violência.

Vivemos, muitos de nós, em “corpos sem alma”, sem uma consciência da nossa unidade humana (Rabbani, 2006). Estamos juntos, e, ao mesmo tempo, extremamente solitários. A tradição cartesiana não apenas nos mostrou a importância de separar dimensões humanas (mente-emoção, corpo-espírito), mas também de hierarquizá-las, favorecendo algumas (mente, corpo) e reprimindo outras por considerá-las primitivas (emoção), ou por serem imaginárias ou racionais (espírito) (Yus, 2002).

Reconhecer e acolher a espiritualidade das pessoas é ter a oportunidade de educar o sujeito integral, em suas múltiplas dimensões, alimentando seus diversos potenciais. O espírito sempre foi compreendido na historia da humanidade como aspecto da integralidade do ser.  “No decorrer de poucos séculos seres humanos inteligentes, de todas as posições sociais, puderam fazer algo que teria estarrecido gerações anteriores: negar a própria existência do espírito” (Wilber, 1998, p.7). Com a modernidade, o espírito passou a ser distanciado do cotidiano, e banido de instituições e atividades educativas. Foram “separados”: eu e mundo; mente e corpo, espírito e vida cotidiana (Yus, 2002).

Assim, precisamos criar, continuamente, espaços e situações de acolhimento e afetividade (Matos, Nascimento, 2006). Os sistemas educacionais, por sua vez, necessitam colocar foco na dimensão afetiva (Tillman; Colomina, 2004; Matos; Nascimento, Matos; Nonato Junior 2006), para que possamos construir “um sistema educativo que supere a contraposição entre razão e emoção”.

Os conflitos vão continuar existindo, o que muda é a forma como lidamos com eles, ao vivenciarmos a “paz positiva”. A paz que tem voz, que não se acomoda, mas que essencialmente respeita e acolhe o diferente. A nossa proposta é a humanização dos espaços por sujeitos “com alma”, com amorosidade, ousando construir a paz em espaços que foram se tornando estranhos para os que neles ensinam, estudam, convivem. Redescobrir que “podemos viver juntos” é a cura que nós todos estamos necessitando. Que a cura venha, e que possamos retomar o cuidado com “o outro” e também conosco. Que possamos a cada momento, em todos os espaços assumirmos a tarefa de “pessoas seminais”, aquelas que semeiam a paz (Boff, 2002).

Referências

FREIRE, Paulo.Pedagogia da Tolerância. Organização e Notas Ana Maria Araújo Freire. São Paulo: UNESP, 2004.

JARES, Xesus R. Educação para a paz: sua teoria e sua prática. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.

MATOS, Kelma Socorro Lopes de Vivência de Paz: O Reiki na Escola Parque 210/211 Norte – Brasília. IN BOMFIM, Maria do Carmo Alves do; MATOS, Kelma Socorro Lopes de (Orgs). Juventudes, Cultura de Paz e Violência na Escola. Fortaleza: Editora da UFC, 2006a (p 15-32).
 

Juventude, paz e espiritualidade: opção por uma prática educativa ético-amorosa In IBIAPINA, Ivana Maria Lopes de Melo;CARVALHO, Maria Vilani Cosme de (Orgs). IV Encontro de Pesquisa em Educação da UFPI .A pesquisa como mediação de práticas sócio-educativas. Teresina: EDUFPI, 2006b (p.167-178).

MATOS, Kelma Socorro Lopes de; NASCIMENTO; Verônica Salgueiro do.Construindo uma cultura de paz: o projeto paz na escola em Fortaleza. IN MATOS, Kelma Socorro Lopes de (Org.). Cultura de Paz, Educação Ambiental e Movimentos Sociais: ações com sensibilidade. Fortaleza: Editora UFC, 2006 (p.26-35).

MATOS, Kelma Socorro Lopes de; NONATO JUNIOR. Raimundo. Escolas, paz e espiritualidade: transversalidades na educação. IN MATOS, Kelma Socorro Lopes de (Org.). Cultura de Paz, Educação Ambiental e Movimentos Sociais: ações com sensibilidade. Fortaleza: Editora UFC, 2006 (p.17-25).

RABBANI, Martha Jalali. Porquê educar para a paz. Disponível em http://www.inpaz.cjb.net/Salvador. 01/02/2002. Acesso 30.10.2006

TILLMAN, Diane e COLOMINA, Pilar Quera.  Programa Vivendo Valores na Educação – Guia de capacitação do educador. Editora confluência: São Paulo, 2004.

YUS, Rafael..Educação Integral: uma educação holística para o século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2002.

WILBER, Ken. A união da alma e dos sentidos: integrando ciência e religião. São Paulo:Cultrix,1998s”, aquelas que semeiam a paz (Boff, 2002).

 

Kelma Socorro Lopes de Matos
– Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará

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