Esse mundo passa pelos terminais de ônibus, espreme pessoas em longas viagens, cata empregos e freqüenta lojas de preços baixos e usados. Ouvem-se músicas cujos ritmos, autores e intérpretes não são os da mídia dita cult. Enquanto o suor molha a camisa, camelôs tomam conta das calçadas vendendo capas de celulares, fraldas, brinquedos, relógios, CDs piratas, livros usados, pilhas e panos de chão.
Amolam facas e tesouras, consertam rádios, óculos, panelas e sapatos, vendem cafés com bolos, salgadinhos, sanduíches e sucos. Cantam emboladas e tudo o que a sua imaginação permitir. E vejo que as calçadas estreitas, nos obrigam a fazer malabarismos para não ir de encontro às bancas e aos ambulantes, embora parados. Muitas vezes, temos que descer para a pista de rolamento.
Os carros passam buzinando e os retrovisores até tocam os nossos braços. Ainda bem que levemente, pois o trânsito é, quase sempre, moroso e caótico. Os postes são repletos de soluções para a vida, em cartazes: cursinhos para concursos, cartomantes que prometem a resolução de pendências afetivas e financeiras.
Há também os que trabalham vestidos de palhaços ou pernas de pau, com alto-falantes em punho, oferecendo em som estridente roupas e utensílios de lojas com tabuleiros na calçada. E recebo folhetos sobre financeiras, cartões de crédito, loteamentos, comidas a quilo, vendas de motos e até de motéis populares com preços promocionais.
Este mundo encantado e real não nos deixa perder a essência profunda da nossa brasilidade, forjada na luta que nos acompanha por toda a vida e prova, que a cada olhar que cruzamos nestas calçadas esburacadas e encardidas, que somos todos iguais neste universo desvairado do qual não temos a chave da entrada e, muito menos, a da saída.
João Soares Neto – autor, cronista e diretor da Associação Comercial do Ceará