A Igreja da América Latina e do Caribe produziu e ofertou incontáveis talentos à Igreja Universal no século XX, na sua vasta floresta, representada pelas comunidades dos que professam a fé em Jesus Ressuscitado, mesmo diante dos desafios, dores e angústias, mas na certeza de que Deus  fecundou-a  com  seu sangue e sua graça este continente, nos sonhos e nas esperança de seu povo. Um maravilhoso presente descida do céu, foi Dom Oscar Romero, bispo de São Salvador, em El Salvador, na América Central. Dom Oscar aprendeu com a paixão do Filho de Deus, a cobrir de véus o acidental e o efêmero, deixando em primeiro plano, apenas o mistério da Redenção, tal como disse Dom Helder Câmara.


Deus no seu indizível mistério de amor escolhe pessoas generosas e corajosas, e as envia para realizar seu plano salvífico na história da humanidade, já antevendo o ápice, “fazendo novas todas as coisas” (cf. Ap 21, 5), na pessoa de Dom Oscar. Ele que soube andar com seu povo em todos os lugares construindo o reino de Deus, na missão de povoar de sono e sonhos as noites mal dormidas dos injustiçados e desesperados, no dizer do Artesão da Paz.


Dom Oscar Romero é lembrado como uma pessoa que em determinado momento optou pela profecia e com muito rigor levou adiante o projeto de Jesus Cristo, a exemplo de João Batista,  que profeta e místico o foi, esforçando-se para ser fiel ao Evangelho de Jesus, encarnado em uma Igreja missionária, despojada e servidora. Não faltou-lhe a graça do bom Deus para o anúncio da verdade e da justiça, carregando consigo a utopia do reino, no sonho de tempos novos para sua querida gente de El salvador. “…o Evangelho me impulsiona a defender meu povo e em seu nome estou disposto a ir aos tribunais, ao cárcere e à morte”.


Como é importante neste ano de sua beatificação olhá-lo como uma criatura encantadora de Deus, que sofreu a brutalidade e a crueldade de um crime, morrendo por dar testemunho de sua fé, ao denunciar mentiras e injustiças. A imagem de Dom Oscar Romero faz-nos recordar de todos que pela causa do Evangelho e com um grande desejo de instaurar o reino, a partir do testemunho de fé, abraçaram a boa nova conscientes dos riscos.


O Papa Francisco aprovou no dia três de fevereiro, após 21 anos do início do processo, o decreto da  beatificação do arcebispo salvadorenho, Dom Oscar Romero, conhecido por defender os empobrecidos e símbolo na luta em favor da justiça e da paz na América Latina. Assassinado no altar de uma igreja em 1980, por um comando de extrema direita, enquanto celebrava uma missa. O martírio foi por ele previsto nas suas próprias palavras: “O martírio é uma graça de Deus, que não creio merecer. Porém, se Deus aceitar o sacrifício de minha vida, que meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança se torna realidade. Minha morte, se aceita por Deus, seja para a libertação do meu povo e como testemunho de esperança no futuro”. O papa Francisco indo nessa mesmo direção do amado pastor, disse aos 28/04/2015, de não ter medo correr risco, nas palavras a seguir: “Nesta missa, vamos pedir a Deus a coragem apostólica, a de transmitir uma vida cristã e não um ‘museu de recordações’. A Igreja deve ser capaz de correr riscos para evitar ser um ‘museu de recordações’, porque fazer como sempre foi feito é uma alternativa de morte”.


Com beatificação do arcebispo de São Salvador aos 23 de maio de 2015, no seu país natal, no qual foi martirizado com um tiro no peito em 1980, pela decisão da junta militar que dominava o país, faz-nos pensar na sua enorme fé, vivida e ensinada: “Não nos cansemos de denunciar a idolatria da riqueza, que faz consistir a grandeza da pessoa humana no ter e esquece que a verdadeira grandeza é ser. A pessoa humana não vale pelo que tem, mas pelo que é e faz”.


O anúncio  da notícia alvissareira foi feito por conferência à imprensa pelo postulador da causa de canonização, o arcebispo italiano Dom Vicenzo Paglia, adiantando também o local da cerimônia, a qual foi presidida pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos. O rito de beatificação constitui uma etapa essencial e imprescindível à canonização. Pela canonização, um cristão é declarado santo e se alarga a sua veneração a todas as nações por toda extensão da terra.


O modelo capitalista implantado na America Latina, começou com marca da desigualdade social e estrutural entrou em cheio também em El Salvador, desde que para cá vieram os europeus. Dom Oscar Romero demorou um pouco a compreender a realidade de injustiça de seu país. Mas ao abraçar a proposta do Evangelho, numa vontade louca de vivê-lo, a fez com indizível ternura, compaixão e amor ao povo da sua querida arquidiocese de São Salvador. Sua incomensurável determinação ajuda-nos  a colocar na mente e coração o sagrado desejo da Rainha Ester, na sua profecia: “Se realmente encontrei graça a teus olhos, ó rei, e se for de teu agrado, concede-me a vida, e a vida do meu povo, eis meu desejo e minha súplica (cf. Es 7,3).


Com estilo de vida e com uma mística a causar medo e contrariar os que desejavam e desejam outro projeto, longe e distante do projeto do enviado do Pai, sua morte foi planejada: vamos assassiná-lo. A América Latina, seu país El Salvador e, especialmente, a capital de São Salvador vive o encantamento na força de uma figura humana, concretizada vivamente, através de sua beatificação, como uma oferta e sacrifício de louvor a Deus, na certeza de que ele vive de modo especial e perpétuo com seu povo e irá se espalhar por toda a América Latina com sua beatificação, no privilégio de tê-lo como figura exemplar, referencial, símbolo e patrimônio do povo da América Latina.


“Ressuscitarei na luta de meu povo”, expressão que jamais será esquecida, na figura emblemática de Dom Oscar Romero, arcebispo de São Salvador, em El Salvador. Após trinta e cinco anos, podemos render graças a Deus, no que ele dizia – “se me matarem ressuscitarei na luta dos pobres”, primeiro em sua pátria, mas em todos aqueles países que viviam na ausência de liberdade. Aos poucos ele foi percebendo a opressão política, econômica e social sobre seu povo. Por tudo isso, agora ele reconhecido pelo Papa Francisco. As Pontifícias Obras Missionárias, através do “Serviço de Informação Missionária” (SIM) quer reconhecer e agradecer ao bom Deus, sem meias palavras, em Dom Romero, um homem profundamente marcado pela graça divina, que o Evangelho de Jesus o transformou em um irmão inspirado e inspirador.


Ele que não tinha medo de denunciar torturas, desaparecimentos e a falta de liberdade e os mais elementares direitos; seja também pelas suas propostas de diálogo, de mudanças estruturais, que se respeitasse a vida do povo e que justiça fosse implantada. Sonhava com uma Igreja povo de Deus, servidora, despojada e missionária, que com coerência, se adaptasse as resoluções do Concílio Vaticano II (1962-1965), tornando-se incômodo e contrariando os militares que governavam seu país, os ricos e até mesmo seus colegas bispos, padres e cristãos leigos em geral.


Compreendemos o martírio de Dom Romero dentro do contexto da morte e ressurreição de Cristo, no seu insondável e inexprimível mistério: “Cristo Jesus, que era de condição divina, não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz” (Fip 2,6-8). O dia em que a bala atingiu o coração de Dom Oscar Romero, martirizando-o no domingo de 24 de março de 1980, enquanto celebrava o santo sacrifício da missa, jamais será esquecido pelo seu povo salvadorenho, na capela do hospital da Divina Providência, na Colônia Miramonte, em São Salvador.


Vale lembrar que ele foi perseguido durante a Guerra Civil do seu país, conflito armado que se estendeu de 1980 a 1992 entre o governo de direita e a guerrilha de esquerda, deixando 75 mil mortos. Dom Romero assumiu uma postura de defesa dos índios, pobres e perseguidos políticos pelas milícias paramilitares. Semanas antes de sua morte, Dom Romero intensificou as denúncias contra o governo salvadorenho e militares por violações aos direitos humanos do seu país. Dizia ele: “Uma Igreja que não sofre perseguição, mas que desfruta o privilégios e o apoio das coisas da terra – Tenham Medo! – não é a verdadeira Igreja de Jesus Cristo”.  Até hoje, o crime não foi julgado pelo Estado de El Salvador. A Lei de Anistia do país, assinada em 1993, deixou centenas de crimes, inclusive o assassinato do arcebispo, sem aplicação da Justiça. Um informe da Comissão da Verdade do país aponta o militar e fundador do Partido Aliança Republicana Nacionalista – ARENA, Roberto D’Aubuisson Arrieta, morto em 1992, como um dos mentores do crime.


No entardecer da vida sereis julgados pelo amor, afirma são João de Cruz. Na missão de Santificar, ensinar e governar, o exemplo de Dom Oscar Romero chegou ao ponto mais elevado no amor generosidade, renúncia e doação, sendo assassinado pela maldade humana, mas ressuscitado na vida de sua querida gente salvadorenha, no gesto de bondade do Papa Francisco em beatificá-lo neste ano de 2015. É a salvação do nosso Deus que chega, vivenciada e contemplada nos confins do universo (cf. Sl 97,3), com sinal nítido e evidente no pequeno país de El Salvador, através de seu  pastor que se tornou vítima,   assemelhando-se ao Filho de Deus. Guardemos no no âmago do coração as palavras de Dom Luciano Mendes de Almeida, concernente ao contexto tão claro e ilustrado: “Não foi Deus que criou a fome, a miséria e a injustiça, foi a maldade humana”.


Em um mundo profundamente marcado por sinais de morte, no qual Dom Oscar Romero se inseriu, foi  graça de Deus que ele descesse do seu cavalo conservador no qual estava montado.  Que ele nos inspire e atraia ao amor quente e apaixonado, vivido pelo Apóstolo Paulo, por Francisco de Assis e pelo Papa Francisco. Paulo caiu do cavalo a caminho de Damasco e passou a viver só para Deus. Francisco também desceu do cavalo bonito e fogoso, depois do beijo do Leproso, compreendendo a doação total de Deus pela humanidade, o Sumo Pontífice por sua vez se inspirou no pobrezinho de Assis. Que Deus nos dê a graça de descer do nosso cavalo, que é o comodismo, o orgulho  e tudo mais que nos afasta do Pai. Assim seja!

Padre Geovane Saraiva é escritor, blogueiro, colunista, vice-presidente da Previdência Sacerdotal e Pároco de Santo Afonso, Parquelândia – geovanesaraiva@gmail.com

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here