Aos 27 de agosto de 1999, após completar noventa anos, vividos e bem vividos, Dom Helder foi chamado ao seio do Pai. Ele é hoje Servo de Deus (03/05/2015), Dom da Paz. Celebrava a missa lentamente, com toda simplicidade, como se estivesse conversando com o Cristo, a Virgem, os santos. “Cada manhã, ao fim da missa, eu contemplo o mundo com a alma de um colegial em férias e tenho vontade de gritar àqueles que se esgotam na agitação da vida cotidiana: ‘Irmãos, hoje é feriado universal’.”


Logo que chegou ao Rio de Janeiro, em 1936, em uma hora santa do clero, na qual o Cardeal Sebastião Leme criara os turnos de Adoração ao Santíssimo Sacramento, o jovem Padre Helder subiu ao púlpito para o seu primeiro sermão junto aos colegas de sua nova arquidiocese. A figura magra, pálida, de olhos fechados, mãos trêmulas e exaltada pronunciou uma oração que até bem pouco era recordada pelos padres daquela Igreja do Rio. Foi quase um escândalo: Dom Helder cobrou dos sacerdotes aquele fervor e aquele entusiasmo que no dia a dia, pouco a pouco, ia se arrefecendo. Parecia em transe, alçada sobre a cabeça de todos os padres da “Cidade Maravilhosa”, enumerando as tibiezas de todos e de cada um, o desamor ao trabalho pastoral, bem como a falta de garra no apostolado, etc.


Marcado por uma graça incomensurável por onde passou, mesmo quando teve que ir para o ostracismo, ficando no isolamento e excluído dos meios de comunicação social, durante o regime militar, o qual via nele um risco e um perigo à democracia, permaneceu forte e corajoso, sem nunca se abalar, deixando marcas profundas e indeléveis. Sua força imaginadora, sua criatividade e, sobretudo, sua capacidade de produzir e de realizar foram extraordinárias, surgindo uma nova Igreja, uma Igreja marcada profundamente pela esperança, como ele afirmava: “Esperança é crer na aventura do amor, jogar nos homens, pular no escuro, confiando em Deus”. Ele se antecipou, em ideias e vestes, ao aggiornamento que o Papa João XXIII promoveu e com o qual iria revolucionar, não apenas a Igreja, mas o nosso mundo hodierno.


Dom Helder foi um articulador; na melhor expressão da palavra, um conspirador, pensando no bem, com suas iniciativas compartilhadas por muita gente da Igreja, desejando fazer com que a Igreja-Instituição se comprometesse e se engajasse na causa dos empobrecidos, identificando-se com seu fundador e mestre, Nosso Senhor Jesus Cristo. Pensava e desejava ele uma Igreja despojada, pobre e mais servidora. Daí o “Pacto das Catacumbas”, de 16 de novembro de 1965, que foi uma excelente oportunidade para os bispos pensarem e refletirem, sobre eles mesmos, no sentido de fazer uma experiência de vida, na simplicidade e na pobreza, em uma Igreja encarnada na realidade, comprometida com o povo, renunciando às aparências de riqueza, dizendo não às vaidades, consciente da justiça e da caridade, através desse documento salutar e desafiador.


Já ao assumir a Arquidiocese de Olinda e Recife, em abril de 1964, no seu profético pronunciamento, na tomada de posse, disse com firmeza: “Quem estiver sofrendo, no corpo ou na alma; quem, pobre ou rico, estiver desesperado terá lugar especial no coração do bispo”. A pregação do Evangelho foi, para ele, ao mesmo tempo, candente, misericordiosa, apaixonada e sensata. Aprendamos, pois, do pastor dos empobrecidos, do cidadão planetário, referencial e nosso grande e maior patrimônio, falecido há 16 anos na cidade de Recife, PE, que, entre incontáveis pensamentos, concluo neste: “Quem me dera ser leal, discreto e silencioso como a minha sombra”.


No dia 25 de setembro de 1981, ele escreveu esta prece que apresentou na Rádio Olinda: “Pai Celeste! Como escutas o pedido do pão de cada dia da parte dos que temos pão garantido para o ano todo e até para toda a vida? Como escutas o pedido do pão de cada dia da parte dos que, tantas vezes, veem o dia acabar, sem que chegue o pão!?… O grave é que se temos pão para o mês inteiro, para o ano todo, ou para toda a vida, é porque direta ou indiretamente tiramos o pão de cada dia da boca de muita gente! Pai, que a ninguém falte o pão de cada dia! Amém!”.


Oração: Graças por intercessão de Dom Helder Câmara:

Ó Deus altíssimo, boníssimo e terníssimo, que quisestes se revelar em toda vossa plenitude, na generosidade, doação, renúncia e criatividade do vosso servo Dom Helder Câmara. Vivendo agora a expectativa da beatificação e canonização do vosso místico e Dom da Paz, suplicamos com humildade e confiança que venhais em socorro da humanidade, nas injustiças, dores e angústias de toda natureza por que passa a criatura humana e todo o Universo. Que o nosso bom Deus seja sempre mais louvado, através do Servo de Deus, Dom Helder, instrumento da vossa paz e do vosso amor. Usando as palavras do Santo Padre, o Papa Francisco: “No fim, encontrar-nos-emos face a face com a beleza infinita de Deus e poderemos ler, com jubilosa admiração, o mistério do Universo, o qual terá parte conosco na plenitude sem fim”1, na mais viva esperança, ó Pai, de vermos todas as coisas renovadas. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, na Unidade do Espírito Santo. Amém.                 


Pai-Nosso, Ave-Maria e Glória ao Pai.


Geovane Saraiva é pároco de Santo Afonso, Parquelândia.

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