Quando viajo, entro num território longínquo, como se de repente pudesse cair dentro de uma pintura – ou tapeçaria, como o quis, num conto, a incrível Lygia. Acostumada a ver fotografias ou filmes da cidade para onde vou, por um minuto não acredito que aquele espaço é real, para além do cenográfico ou artístico. Havia alguma coisa em mim dizendo que era mentira, ilusão de câmeras, truque hollywoodiano. Não era possível que aquele lago fosse tão belo, ou aquela montanha… Não era sequer viável que as comidas tivessem cheiro e, de fato, sabor – e não parece absurdo entrar numa igreja onde as missas acontecem há sete séculos?


Preciso ver para crer. Por passar tanto tempo mergulhada em páginas, dentro de palavras e histórias, tenho tendência a pensar que tudo é fábula. Assim, vejo o túmulo de reis e poetas antigos como se achasse o atestado de que eles existiram – e isso é tão surpreendente como se me revelassem que os personagens de um relato viveram em carne e osso. Meu assombro com obras de arte é parecido: por mais que suas reproduções sejam divulgadas, tenho de comprovar o exato matiz daquela pintura, ou perceber a textura daquilo que um dia o escultor chamou de bronze ou pedra.


Mas não basta a visão. Comigo, viajar convoca todos os sentidos: estou dentro de uma paisagem insólita e não posso passear por ela como se fosse uma nativa num dia de lazer. Tenho de me assombrar, experimentar o êxtase ou o repúdio, potencializando as novidades que encontro, ou me comovendo com as semelhanças em relação ao meu lugar. Mas nunca alcançarei a postura blasé do desprezo, a indiferença dos que já esperavam por tal coisa, ou estavam treinados e prevenidos contra determinado aspecto.


Sem susto, não vale a pena viajar. Toda viagem é motivada por esse vício das descobertas e espantos: quem sai de seu canto procura o instável. Por isso, há algo de errado nos que planejam milimetricamente um roteiro, saindo e entrando de cartões-postais com a intenção de conferir cada localização e tirar umas fotos de prova para depois mostrar à família, sob a rubrica do “eu estive lá”. Imagino que, se essas pessoas posassem diante de réplicas feitas em estúdio, não haveria diferença em suas emoções.


A descoberta de cada elemento de um local, por ínfimo que seja, pode ter grande importância. Conversar com as pessoas sem a fluência da própria língua, entrar nos prédios públicos alheios, comer em restaurantes incomuns ou ouvir novos ritmos… tudo constrói, para o viajante, a impressão personalíssima da viagem que fez. É dentro desse conjunto inédito que gosto de me aventurar de perto – e, quando a natureza é espantosamente bela, não resisto ao impulso de tocá-la: grãos de areia, grama, sopro do vento, água. Digam que isso é o mesmo em qualquer parte do mundo; posso até concordar. Mas quando viajo, é como se reconhecesse um rosto absurdamente perfeito, e toco essas coisas para aprender a linha de seus traços, para me assegurar de que não estou dentro das palavras e da ficção. Estou na própria paisagem, e isso é real.


* Artigo publicado em 28.07.2010 no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização da autora.

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