Adriana Melo alerta que apenas 1% dos casos de mulheres infectadas com zika vírus resultam em bebês com microcefalia. Outra preocupação da médica é que a discussão em torno da liberação do aborto nesses casos tire o foco do tratamento das crianças que nasceram com a doença.


Documentário mostra rotina de bebê com microcefalia e depoimento da médica Adriana Melo


Adriana Melo foi a primeira pesquisadora que relacionou o vírus zika à microcefalia, quando a doença que, hoje, assusta as gestantes, disseminou no País. A especialista em medicina fetal e presidente do Instituto de Pesquisa Prof. Joaquim Amorim Neto (Ipesq), sediado em Campina Grande, Paraíba, comprovou laboratorialmente que o líquido amniótico de uma gestante que teve o filho com microcefalia estava infectado pelo vírus.


Um ano após a descoberta, a médica acompanha 86 crianças que nasceram com microcefalia. Ela explica que a identificação de crianças afetadas ainda na gestação pela infecção deve ir muito além da fita métrica, que mede o tamanho da cabeça. Adriana explica que os especialistas já usam o termo Síndrome Congênita do Zika, para identificar crianças que foram afetadas pelo vírus ainda na barriga das mães.


A médica expõe sua preocupação com relação à discussão em torno da liberação do aborto em mulheres grávidas que tiveram zika. Segundo ela, apenas 1% das mulheres com zika vão ter bebês acometidos pela doença. “Se partir do princípio que todas as mulheres que tiverem zika forem abortar, quer dizer que 99% dos bebês abortados serão normais. Se for esperar que apareçam na ultrassonografia, isso só vai acontecer com 20 semanas, ou seja, cinco meses”, alertou Adriana.


Em entrevista exclusiva a Agência da Boa Notícia, a especialista destacou, ainda, que discutir a questão da liberação ou não do aborto nesses casos tira a atenção do que é mais urgente, em sua opinião, que é o tratamento das crianças que já nasceram com a síndrome. “Minha maior preocupação é com as crianças que já completaram um ano e estão sem assistência adequada”, afirmou.

ENTREVISTA
(Agência da Boa Notícia) – O Supremo Tribunal Federal (STF) deve colocar em julgamento, no dia 7 de dezembro de 2016 (mas, com possibilidade de adiamento), uma ação em favor da liberação do aborto em mulheres grávidas que tiveram a zika. Qual é sua opinião sobre essa discussão?

Adriana Melo –
Eu sou a favor da vida. Além disso, apenas 1% das mulheres com zika vão ter bebês acometidos pela doença. Se partir do princípio que todas as mulheres que tiverem zika forem abortar, quer dizer que 99% dos bebês abortados serão normais. Se for esperar que apareçam na ultrassonografia, isso só vai acontecer com 20 semanas, ou seja, cinco meses. Minha maior preocupação, porém, é com as crianças que já completaram um ano e estão sem assistência adequada. Na hora que liberarem o aborto, vão esquecer essas crianças. Isso vai tirar foco do principal problema. Existem crianças no Brasil todo sendo esquecidas. O aborto como centro dessa discussão pode até permitir que as mães não tenham esses bebês, mas e as crianças que já nasceram e precisam de cuidados? As primeiras mulheres que não tiveram a chance de se proteger, que doaram seu material para estudo, serão esquecidas.

(ABN) – Considerando essa perspectiva que a senhora traçou, qual foco a sociedade deveria dar a essa discussão?

A.M –
Primeiro deveríamos nos concentrar no combate ao mosquito. O segundo foco seria dar atenção a essas crianças. O tempo vai passando e elas vão perdendo essa atenção. A gente faz campanha pra elas, pois elas foram essenciais. Mas, qual foi o retorno que a sociedade deu a elas? Agradecemos porque elas ajudaram? Eu acompanho 86 crianças de Campina Grande e cidades vizinhas. Vejo o sacrifício dessas mães. Devemos nos questionar sobre o quanto devemos a essas mulheres.

(ABN) – Apesar dos importantes pontos levantados pela senhora, a discussão em torno da liberação do aborto nesses casos deve acontecer o STF.

A.M –
Sim, mas esse não é o momento. Não é hora de discutir a liberação do aborto nesses casos. A gente não conhece a doença. Não sabemos nem se vão ter mais casos. Estamos discutindo incertezas. É muito cedo para levantar esse debate. Se pessoas querem abortar, devem levar em consideração esses dados, de que apenas 1% das mulheres com zika vão ter bebês com microcefalia. Isso quer dizer que de 100 mulheres com essa infecção, apenas uma criança terá problemas. O exame que tem hoje comprova apenas se a mulher teve zika. O grande problema é que se você fizer ultrassonografia com três meses não vai ver se o bebê tem microcefalia. Aos cincos meses, quando o diagnóstico é feito, é mais arriscado um aborto. Quanto mais tarde, mais complicado é o aborto. Como pessoa que se envolveu diretamente com a zika, gostaria que o foco fosse a assistência a essas crianças que já nasceram.

(ABN) – Em outras entrevistas, a senhora chegou a dizer que as suas sextas-feiras eram tristes, pois era o dia da semana que costumava informar o resultado das ultrasssonografias de suas pacientes. Como é essa rotina atualmente?

A.M –
Toda sexta continuo com as ultrassonografias. No entanto, diminuiu os casos de zika. Minha sexta está mais tranquila. Até agora tivemos apenas três casos novos. A tendência é diminuir e ter apenas casos isolados.


 

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