Jornalista Evillyn Regis decidiu transformar sua dor numa missão de vida. Com o projeto, ela busca propiciar valorização e condição de igualdade de acesso a oportunidades, além de levantar o debate sobre a questão da proporcionalidade no mercado.



Foto: Divulgação


A primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, roubou a cena em discurso na Convenção Democrata, no dia 25 de julho. Com frases fortes, ela emocionou o público e anunciou seu apoio a candidata Hillary Clinton. Entre muitos pontos, ela chamou atenção para a necessidade de ser exemplo para os filhos. Michelle pontuou que crianças se identificam com ela na TV ou com os cabelos de seu marido, o presidente Barack Obama. A lição aqui é: representatividade importa. E muito! Esse, inclusive, é um dos principais ganchos do blog Atitude Afro (atitudeafro.com.br), da jornalista Evillyn Regis.

 

O projeto, explica a jornalista, quer estimular o protagonismo negro e ajudar no empoderamento, seja através da estética, educação ou carreira profissional. “O negro é capaz de chegar aonde quer que seja, e quando não acontece isso é por falta de oportunidades, pois muitas vezes leva em consideração apenas a cor da pele. A humanidade precisa compreender que todos nós temos diferenças e que é preciso respeitá-las. O objetivo do projeto é propiciar uma valorização e uma condição de igualdade de acesso a oportunidades. Para isso, vamos passar informações e ações afirmativas para que o preconceito racial diminua no nosso País, além de ter como objetivo também a reflexão e inspiração”, afirmou Evillyn.

 

O trabalho do Atitude Afro acontece apenas no ambiente virtual, mas a intenção da jornalista é que ele também tenha um ambiente físico para promover ações afirmativas.

 
Meus cabelos, minha história

O cabelo é um dos primeiros a sentir o peso dos padrões. Cedo, ele é chamado de ruim e de outros adjetivos pejorativos. Evillyn conta que a transição para assumir os próprios cabelos foi difícil e mexeu com sua autoestima. Ela não recordava de sua estética natural, pois começou a realizar processos químicos desde os sete anos. Ao se mudar de Campo Grande para São Paulo, ela começou a acompanhar exemplos de mulheres que assumiram o crespo.

 

A jornalista se identificou com a representatividade implícita no gesto e decidiu retomar os cachos. “Com o apoio de uma prima e do meu esposo passei pela transição capilar, que é a fase quando você deixa de passar química; é bem difícil passar por ela, pois toca muito na sua autoestima. Eu mergulhei em todo tipo de informação sobre essa temática. Sempre digo que tem apenas um ano e cinco meses que eu estou me (re)descobrindo como negra. Na infância, sofri duas vezes preconceito racial e vejo isso de certa forma como uma “ferida” aberta ainda em mim”, comentou Evillyn.

 

Assumir os cabelos naturais despertou, em Evillyn, o desejo de fazer um jornalismo independente, para tratar especificamente dessa questão. “Em maio, comecei um curso para jornalistas que querem empreender na web, chamado Realize, e com isso consegui tirar a ideia do papel e concretizá-la. Hoje, estou conseguindo transformar minha dor numa missão de vida”, relatou a jornalista.

 
Atitude Afro

O blog foi idealizado para reiterar a condição de igualdade de acesso a oportunidades. O objetivo é informar sobre ações afirmativas para que o preconceito racial diminua no País. “Minha intenção é levar as pessoas negras ou não negras à reflexão de suas atitudes e fazer ecoar a voz do meu povo para que sejam tomadas medidas igualitárias. Porém, não pretendo trabalhar com notícias factuais do tipo “Fulano sofreu ataques racistas na rede social”, e sim trabalhar com notícias como “Senado aprova prisão para quem cometer racismo e discriminação na internet”, sempre mostrando as vitórias, mas também não deixarei de noticiar dados alarmantes da população negra e que precisam de políticas públicas urgentes para que tal realidade seja transformada”, adiantou a jornalista.

 
Confira a entrevista que Evillyn Regis concedeu, com exclusividade, à Agência da Boa Notícia.


 


(Agência da Boa Notícia) – Você pensou e amadureceu esse projeto durante algum tempo. Durante esse período, quais foram os problemas identificados por você no tocante à abordagem do empoderamento negro na comunicação?

Evillyn Regis –
O racismo é identificado e reconhecido pela população brasileira, porém, a dificuldade está em se declarar racista. A partir do momento que comecei a ler e a observar sobre os meios de comunicação, percebi que isso também acontece com eles. Quantos jornalistas, comentaristas negros você vê em posições de destaque nos telejornais? Quantos comerciais de margarinas, absorventes, creme dental, fitness e outros mais, você vê a família negra ali presente? Faltam negros em posições de protagonismo, a participação nos negros ainda é inferior ao ideal. Ao mesmo tempo, percebi que como nós não temos espaço na grande mídia, os movimentos e pessoas ligadas a este tema que têm o intuito de diminuir o preconceito e as desigualdades sociais do povo negro começaram a migrar para a internet por ser um meio democrático. Com isso, temos quebrado algumas barreiras e, hoje, vemos os programas televisivos abordando assuntos com a temática racismo. Mas, ainda temos muito que conquistar.

 
(ABN) – Em duas matérias do blog, você trata sobre a beleza dos cachos e a importância de brinquedos para crianças negras se identificarem. Apesar de muitos discursos contrários, a representatividade em todas as esferas da sociedade ainda é um gargalo para a população negra. Qual é a sua avaliação sobre isso?

Estamos nos mobilizando cada vez mais pedindo proporcionalidade, afinal de contas, somos 53% da população negra declarada no País. Mas, ainda temos dificuldades de consumir produtos voltados para nós.  A questão é que ainda não vejo essa consciência total. As empresas que estão incluindo esse público percebo que é com a ideia de tendência, moda, uma onda de empoderamento, enfim, consumismo mesmo. E daí eu me questiono: e “se nós pararmos com essa mobilização, será que vão continuar nos incluindo em suas marcas?”.  Fico superfeliz quando vejo marcas, profissionais liberais aderindo às necessidades de nós negros, mas ainda não consigo enxergar que eles façam isso como algo natural e que deve ser feito.

(ABN) – Às vezes um projeto é pensado para determinado público e para abordar determinados assuntos. No entanto, durante a execução, é possível constatar que outros alvos foram atingidos. Isso aconteceu com você? No caminho, você percebeu outras demandas, nas quais não tinha pensado ainda?

Aconteceu sim. No início do projeto pensava em abordar apenas temas positivos da população negra como forma de inspirar outras pessoas negras a se empoderarem e terem orgulho da sua história e cor. Contudo, vi a necessidade também de trabalhar com questões mostrando a falta de proporcionalidade do negro em diversos segmentos e mostrar dados negativos da população negra como forma de levantar o debate e de mobilizar pedindo políticas públicas.

 
(ABN) – Para você, quais são os principais entraves, hoje, para o fortalecimento da cultura negra no País? E para o futuro, quais são suas expectativas?

Acredito que são vários entraves para o fortalecimento da cultura negra do País, mas o que mais me incomoda é o racismo velado, escondido na abordagem, na forma que os negros são olhados diferente de brancos e o pior é que não tem como provar que é preconceito racial. É importantíssimo que haja uma combinação entre a comunicação e educação como principal instrumento no combate a este tipo de racismo, e também como forma de promover a cultura negra do nosso País. Bom, eu vejo que de forma gradativa estamos conquistando espaços e direitos que até então não tínhamos. Penso que devemos continuar nesta luta e descontruir esse racismo enraizado na nossa sociedade. E se conseguirmos isso, com certeza, teremos um futuro mais promissor e igualitário para as nossas crianças e jovens negros no futuro. Acredito que estamos no caminho certo. Não estamos paralisados, e sim mobilizados contra o racismo declarado e velado.


Leia no Atitude Afro:
Bonecas negras: uma forma de combater o racismo ainda na infância
Racismo e língua portuguesa – uma relação silenciosa


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