Lembro claramente. Passava pouco das 14 horas de 18 de outubro do ano passado. Eu acabara de chegar ao jornal. Da chefia, recebi a missão de contar a história da família de um garoto de três anos cuja missão era encontrar um doador de medula óssea para livrá-lo de um tipo grave de anemia. Uma luta em favor da vida.
De pronto, pensei: vou dar de cara uma criança prostrada numa cama e pais destroçados emocionalmente. Ledo engano. Não fosse a limitação física dos membros inferiores imposta pela paralisia cerebral sofrida durante o parto, Kaio Cardoso seria um meninote normal. Daqueles trabalhosos de tão agitado. Quanto à mãe: só sorriso.
Saí do apartamento encucado. Queria saber como uma mulher com o filho no limiar da morte conseguia ser/estar inabalável. O caso ganhou projeção: em 19 de outubro, outra pauta com Kamila e Kaio; no dia seguinte, mais uma. A trama saiu do papel e tomou as televisões.
E foi assim nos meses subsequentes. A proximidade com a família crescia e o jornal dava mais espaço às travessuras do menino desenhista de baleias. Até a última sexta, 2, 11 meses após o primeiro encontro, portanto, escrevi 12 reportagens com o pequeno e aquela mulher. Mas me apareceram outros personagens nesse ínterim. Igualmente intrigantes.
Abner Almeida, 5, Denis Maia, 31, e, por fim, Flávia Avelino, 37, mexeram com o meu brio. O menino levava a leucemia consigo e não teve a mesma sorte de Kaio. Morreu antes de encontrar um doador compatível de medula óssea. O homem está tetraplégico há quase seis anos, mas encontrou no implante de células-tronco a possibilidade de retomar os movimentos. Conseguiu ser submetido ao procedimento depois de juntar R$ 50 mil em campanhas e ir à Alemanha. Só espera o corpo reagir. Já a mulher teve a juventude roubada. Aos 20, passou por uma cirurgia de retirada de cartuchos do nariz. Era 1994. Saiu do hospital em coma. Desde então, vegeta numa cama de hospital improvisada na casa dos pais.
A exemplo de Kamila e Kaio, esses outros três – e quem os rodeia – mostraram-se exemplos de esperança e espiritualidade. Posturas erroneamente desvalorizadas por muitos na composição do cenário de uma vida normal. Entretanto, justo a enfermidade deles gera essa noção do quão importante é o não desistir; a vontade de vencer; a fé na cura e na vida. E nós, jornalistas, não podemos deixar isso de lado. Independente da pauta que recebamos no começo do expediente.
Não consigo enxergar no meu ofício uma coisa mecânica, onde o repórter fica no pedestal e recusa contatos mais acalorados. Ou algo desprovido de emoção, sem o profissional verter uma lágrima sequer ou sentir um engasgo na garganta diante de uma condição humana deplorável. Se cabe a ele fazer o mínimo para mudar aquela realidade, que o faça! Ficar inerte à espera da solidariedade alheia é desculpa de comodismo.
Com isso, não defendo promiscuidades na relação com as fontes. Esse é outro departamento. Resguardar-se enquanto comunicador social é obrigação. Sem isso, toda escrita vira letra morta. Minha defesa é por coberturas de maior sensibilidade e menor sensacionalismo. Um status, ao meu ver, alcançável a partir do momento em que o encarregado de contar a história em questão passa a enxergar as pessoas e não apenas vê-las.
A vida pede passagem no Jornalismo também. E Kaio, Abner, Denis e Flávia são provas disso. Dar espaço à agenda positiva nos nossos meios de comunicação é encher o coração de quem está em casa de crença em dias melhores. Uma prerrogativa da qual abrirei mão jamais, por mais sangrento que esteja o noticiário e críticas ao meu modo de perceber o mundo sejam feitas. Afinal…ninguém disse que seria fácil. Dos meus colegas, espero o mesmo. Sempre.
Bruno de Castro – Jornalista, assessor de imprensa da Assembleia Legislativa do Ceará, repórter do Núcleo Cotidiano do jornal O POVO e vencedor do Prêmio Gandhi de Comunicação 2010.