Os olhos brilham na frente de vitrines que revelam aquelas lindas roupas usadas pelas mais belas atrizes. E aquele brinquedo tecnológico que o menino viu na propaganda, está ali, na prateleira da loja, pedindo pra ser comprado. Sem falar no tênis ultracolorido inspirado nas novas bandas adolescentes de pop rock. Tudo é tão bonito, é quase impossível resistir a esse mundo tão perfeito! Quase? Sim, porque você pode escolher se quer enfrentar a sua cruel realidade de ter que acordar todo dia às seis horas da manhã, deixar seus filhos no colégio, depois aguentar o abuso do seu chefe, passar horas num engarrafamento e ainda, quando chegar em casa, ajudar na tarefa da escola, colocar as crianças pra dormir e, finalmente, ter um tempinho para assistir à sua novela ou ao seu programa esportivo favorito. Ou então você pode fugir dessa cruel realidade e num fim de tarde de um dia de trabalho exaustivo, ou num final de semana, sair de casa para se presentear andando pelo shopping comprando todos aqueles vestidos, sapatos, aparelhos eletrônicos de última geração.


 


Mas não se arrependa se as dívidas aumentarem e estourarem seu cartão de crédito, porque, afinal, você merece! Qual a pessoa nesse mundo capitalista que trabalha tanto como você, que tem que aguentar abuso de chefe, que tem que criar os filhos e ainda dar conta de manter um casamento em meio a tantos divórcios? Você é única no mundo a ter tantos “problemas”, ou será que não existem pessoas passando fome, desempregadas, abandonadas nas ruas enfrentando drogas e violência? Pois é, existem pessoas que dariam de tudo para estar no seu lugar. Que gostariam de ter um chefe, por mais insuportável que fosse, uma família, um lar, o que comer, enfim, gostariam de ter o mínimo de dignidade que você tem. Enquanto você está comprando seus presentes supérfluos, tem alguém em frente à TV assistindo as mesmas propagandas alegres, coloridas e atraentes que você tanto assiste. Só que com uma grande diferença: essa pessoa não pode ter o que o comercial está oferecendo, porque ela não possui condições financeiras para comprar supérfluos. Então ela pergunta a si própria: por que eu sou diferente, por que não posso ter aquele tênis da Nike ou aquela bolsa da Louis Vuitton? 


 


Surgem as inevitáveis comparações entre o menino rico e o menino pobre. Começa a surgir um sentimento de inferioridade, que vai se transformando em revolta e frustração, que vai aumentando à medida que ele percebe que o mundo é injusto, é repleto de desigualdade social, de egoísmo, de corrupção. Ele olha em volta e enxerga um mundo com dois lados: um lado bonito, em que todos podem ter o que querem e onde todos são felizes; e outro lado triste, onde não existem pirulitos, balas, chocolates, nem aqueles lindos presentes coloridos embrulhados em enormes laços de fita. Ele se pergunta: por que eu faço parte do lado feio? Diante de tantas perguntas sem respostas e de milhares de comerciais com pessoas lindas, ricas, desocupadas, exaltando o materialismo dizendo pra você que essa é a única verdade, e diante de uma mente despreparada, que ainda não é capaz de entender que um dia ele pode reverter essa situação e que a felicidade não está no ter, mas no ser. Ele procura, através de amigos que também se sentem como ele, um refúgio para se esconder do seu mundo preto e branco. Esse novo mundo não é colorido, também não é tão diferente do outro, mas pelo menos, nesse mundo ele se sente mais confiante, corajoso, destemido.


 


Entrar nesse mundo é simples: começa tragando um cigarro, uma folha de maconha, cheirando cola, depois cocaína, crack. E assim com o passar do tempo, ele vai conhecer um canivete, um trinta e oito, uma metralhadora ou um fuzil. De quantos pares de sapatos, de quantos relógios, calças, camisas, uma pessoa realmente necessita? Não seria mais útil e necessário fazer uma compra a quem realmente precisa? Com certeza, esse presente terá muito mais valor. Fará feliz uma pessoa que jamais sonharia poder ter um igual com seus próprios recursos. E você? Não seria uma felicidade incrível saber que essa pessoa ficou tão feliz e emocionada com o presente? Para muitos a felicidade esta somente no TER e não no SER!!!


 


* Rossana Brasil Kopfe é advogada, psicanalista e integrante do Movimento Brasil Sem Drogas


 


Artigo publicado no jornal O Estado e reproduzido neste site com autorização da autora

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