No Brasil e alhures, a mídia se apraz em chafurdar nas águas dos escândalos e explorar os recônditos da miséria, da violência, do sofrimento e dores humanas. Ao que parece, mundialmente se chegou ao consenso de que esta é a matéria prima do sucesso nas bancas de revista e nos índices de audiência.

O dilúvio de matérias sobre a morte da menina Isabella Nardoni é exemplo desse despautério. Só encontra paralelo na cobertura exaustiva que foi dada, ano passado, ao desaparecimento da inglesinha Madeleine McCann, de três anos, em Portugal. Blocos inteiros dos jornais televisivos são dedicados a Isabella, numa sanha sensacionalista que induz opiniões e que, pela crueza dos conteúdos, pela forma como expõe detalhes, se constitui em ofensa à pequena vítima e desrespeito aos sentimentos dos familiares.

O que leva grandes jornais e cadeias de TV a elegerem certos temas para jogá-los sadicamente na cara das pessoas? Este é um mistério insondável. Mas existem pistas para desvendá-lo. Se os fatos acontecem num cenário privilegiado, massifica-se a cobertura. Isabella foi trucidada na Cidade Maravilhosa, num condomínio de classe média. Vai para a primeira página. Já a cearense Luana, de três anos, violentada e morta em Jardim, no Cariri, provavelmente não fará jus ao espaço nobre. Os pais – um agricultor e uma faxineira – serão poupados da superexposição e poderão prantear sua menina sem a intrusão de câmeras e microfones.

Em tempo: o que foi feito da epidemia de febre amarela, que dominou os noticiários e neurotizou a audiência, levando muitos a se submeterem a overdoses de vacina? Acabou-se a febre amarela? Não. Essa doença sempre ocorreu no Brasil. Nunca foi diferente. Mas, naquela ocasião, havia necessidade de se preencher alguma lacuna na pauta das catástrofes. Eis que retorna a dengue. O que fazer: Desvia-se o foco, reciclam-se as manchetes. Importa é vender – jornais embrulhando miséria; imagens de TV iluminando lágrimas e sangue.

Artigo originalmente publicado no Jornal O Povo em 25.04.08 e cedido pelo autor.

Italo Gurgel
Jornalista, Coordenador de Comunicação Institucional da Universidade Federal do Ceará
italogurgel@yahoo.com.br

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