Uma máxima muito ouvida pelos que enveredam no estudo do Direito da Infância e Juventude é que todas as regras desta disciplina são regidas por dois princípios nascidos com o Estatuto da Criança e do Adolescente. São eles o princípio da proteção integral e o princípio do melhor interesse da criança ou do jovem. Todos os discursos ouvidos na seara deste ramo do Direito mencionam, ainda que brevemente, estes dois princípios. E o que é um princípio?
Um princípio é uma norma jurídica emanada do corpo geral das regras, que apontam para o objetivo maior de um determinado diploma jurídico. É uma espécie de “moral da história”, a mensagem principal que um grupo de regras dá à sociedade, sempre apontando para a proteção de um determinado bem jurídico da sociedade. Assim, o princípio assume uma importância vital para o Direito, porque ele condiciona a interpretação das outras regras jurídicas. Em outras palavras, para ler um artigo de uma lei e compreender o mandamento que dele emana, é essencial saber qual o objetivo mais importante que aquele tipo de regra quer atingir. Com isso, se pode entender o alcance daquele artigo e como ele deve ser aplicado para proteger aquilo que tem valor para a sociedade.
Pois bem. O princípio da proteção integral sugere que a criança e o adolescente devem encontrar no poder público todo o apoio necessário para que seus interesses sejam atendidos, propiciando uma criação sadia e em condições de proporcionar a formação de seu caráter e personalidade. Destarte, se insere neste contexto a inclusão do atendimento em todas as necessidades, como alimentação, educação, vida familiar e social, dentre outras. A própria família da criança deve ser amparada através de uma rede de atendimento que lhe dê condições de criá-la com carinho e cuidado.
Já o princípio do melhor interesse coloca a criança ou o adolescente em um patamar de superioridade jurídica, quando seus interesses colidem com os de pessoas adultas, vale dizer, a proteção da criança determina que sejam contrariadas vontades e expectativas de adultos, ainda que sejam seus genitores e parentes.
Esta prevalência se sustenta no fato de ser a criança e o adolescente uma em formação, que deve ser defendida com a urgência necessária para que tenha condições favoráveis de crescimento, enquanto ainda vive a infância ou a adolescência.
Desta forma, considerando-se que a Constituição Federal, em seu artigo 227, garante à criança o direito à convivência familiar e comunitária, uma missão para todos os integrantes da rede de atenção à criança é mantê-la em família, seja a sua de origem, quando tem as condições de afeto e cuidado para garantir seu desenvolvimento, ou colocá-la em família substituta, através da adoção.
Apesar da clareza meridional destes princípios, o preconceito demagógico que paira sobre alguns setores da rede acarreta o abando criminoso de crianças e adolescentes em abrigos, sob o argumento de que a reintegração familiar é uma obrigação inafastável. Sem opor qualquer embargo ao fato de que, sendo possível e conveniente para a criança, a reintegração deve ser tentada, é imperioso se registrar que uma reintegração desastrada e indevida acarreta mais danos para as crianças do que sua separação da família de origem, quando há a possibilidade da adoção por pessoas preparadas para criá-la e amá-la. Até mortes por esquartejamento já ocorreram quando imperou a demagogia contra o bom-senso. Sempre se erra a favor do adulto. Não está a criança em primeiro lugar?!
* Artigo publicado em 13.03.09 no jornal O Estado e reproduzido neste site com autorização do autor.
Sávio Bittencourt
Promotor de Justiça (RJ). Formado em Direito (Universidade Federal Fluminense – UFF). Mestre em História Social (Universidade Severino Sombra – USS).
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