Na sexta-feira (16/03), a partir das 19h, na Livraria Leitura do Shopping Rio Mar , será lançado “A Casa da Vida”, terceiro livro de Adriana Kortlandt. A obra conta a incrível e tocante história da nordestina que foi criada em Juazeiro do Norte (CE) , Maria da Glória Nascimento de Lima, a Glorinha, como é conhecida por todos.
Segundo a autora, “é sem dúvida uma história de vitória! De uma mulher, nordestina, iletrada e pobre que decide (com o auxílio de várias pessoas) lutar contra o destino que provavelmente teria se não tivesse tomado a decisão de mudar de vida, e diariamente. Ela enfrenta crises, esmorecendo e se levantando, diariamente. Como Glorinha nos conta no livro, a pobreza tem tentáculos inimagináveis e uma influência transgeracional no comportamento das pessoas.
Quem convive, não só com a obra dela, mas com qualquer obra de assistência social, se depara diariamente com um caminhão de dificuldades. No caso de Glorinha, ainda sobra espaço para a alegria de viver. Ela tem um bom humor contagiante, e reclama pouco. Outro aspecto que a obra propõe-se a sensibilizar é para a preservação da memória de quem constrói dignidade e compaixão por tudo o que vive.
Trabalhar para preservar nossa memória faz parte de um engajamento pessoal, há muitas pessoas vivendo e fazendo coisas notáveis, as vezes na porta de nossa casa, e não sabemos”, pontua Kortlandt.
Quem é Glorinha?
Glorinha – Maria da Glória Nascimento de Lima nasceu em Buíque (PE) em 1945. Ela é uma pessoa que desafiou seu destino: o de uma mulher pobre, iletrada, retirante, abandonada e torturada na infância. Glorinha se auto define como um maçarico, uma pessoa que tem uma vontade inquebrantável de unir o que foi desunido, juntar famílias que não puderam se manter unidas, pelos motivos mais diversos.
Ela representa o poder de luta e resiliência que um ser humano pode desenvolver, quando ele determina a si mesmo que não vai sucumbir às dificuldades, e sim vencê-las. Amorosa, abriu as portas da casa, da vida e do coração para que crianças e adolescentes que antes viviam nas ruas encontrassem um lar. Em 1984, fundou o Lar da Criança Padre Cícero, em Taguatinga (DF). Além do abrigo, o Lar da Criança Padre Cícero mantém as Creches Sonho de Criança, que atendem meninos e meninas de 6 meses de idade a 6 anos. As três creches atendem em torno de 600 crianças diariamente, além do abrigo, com capacidade para acolher até 20 bebês de 0 a 2 anos.
A instituição homenageou o famoso padre que criou o pai adotivo dela, já que, assim como a maioria das crianças que acolhe, Glorinha foi abandonada pelos pais ainda pequena: seu pai a deixou na porta da Igreja do Padre Cícero, no Ceará, quando ela tinha 3 anos e 7 meses.
O Livro
A Casa da Vida – A psicóloga e escritora Adriana Kortlandt conta que A Casa da Vida começou a nascer,de certa forma, quando ela conheceu Glorinha. “Exatamente como está no segundo capítulo do livro – Antes da História. Uma grande amiga me pediu para fazer um atendimento na casa de uma mãe que havia perdido um filho, assassinado. Atendendo a seu pedido, fui. Esta mãe era Glorinha. A partir daí, conheci sua obra de acolhimento a crianças em situação de risco, e as duas me fascinaram, a obra e a fundadora. Passei a frequentar o Lar da Criança Padre Cícero, e comecei a me interessar pela trajetória de Glorinha. Um dia ela concordou em me contar a sua história. Foi então que demos início a essa jornada”, conta Kortlandt. Ela revela ainda que a história de Glorinha inspira ao acolhimento, mesmo que ele não possa ser feito diretamente na própria casa de cada um. “Há várias formas de acolher, como a história de Glorinha e a do companheiro dela, Israel, nos mostra”, diz a autora da obra.
Adriana Kortlandt- Psicóloga clínica e escritora. Em 2009, publicou o primeiro livro de contos, “Almagesto” (finalista do International Latino Book Awards 2013 na categoria melhor livro de ficção em língua portuguesa).Também é co-autora de “Fios da Memória”. Atualmente, mora na Alemanha.
Leia pequeno trecho de um dos textos emocionantes do livro:
“Estamos na primavera de 1985. Quatro meses antes um conhecido me
ligou.
– Glorinha, ali perto do estacionamento do Country tem um menino de 11
anos, lavando carro. O menino é inteligente que só.
-E por que você não ajuda ele?
-Não é bem assim, Glorinha. Ele é provedor da família toda. Eles se escondem em um barraco ali perto, no meio do mato. Parece que a mãe é bem doente. É o caso de tirar todo mundo dali, a família toda, você tá me entendendo? Isso eu não posso fazer.
Dia seguinte fui lá ver. Ver miséria é sempre algo chocante. Faço questão
de nunca me acostumar, muito menos num país riquíssimo, onde se rouba dos cofres públicos, aumentando a miséria.
Deitada num colchão podre, Susana estava morrendo. O menino alimentava toda a família lavando e vigiando carros. Quatro crianças, contando com ele e a mãe, doente terminal com câncer no ânus. Quando cheguei, a cena: Luciana, cinco anos, agachada do lado de fora do barraco, limpando algo com as mãos. O que será? Fui ver. A menina retirava as fezes da mãe do fundo de um balde e com as próprias mãos. Não tinham um só pano à disposição, nem sabão, nem água encanada, nada, nada, nada, mil vezes nada… São imagens que te acompanham o resto da vida. Israel que me perdoe, meus filhos que me perdoem, mas eu não sei ficar parada vendo um troço desses! Tentamos conversar, embora sua voz fosse quase inaudível.
-A senhora veio rezar por mim?
– Rezar? Se comida, água, e ajuda forem reza, sim! Vamos para minha casa?
-Vamos.
– Estou com o carro cheio até a tampa. Amanhã eu volto e levo vocês, tá bom?
-Que bom.
Nesta época ainda não tínhamos as instalações que temos hoje. (…) Colocamos um biombo de um lado, um armário de outro, dando um pouco de privacidade à família. Passei a noite costurando os lençóis e algumas roupas folgadas para Susana. Para as crianças, pegaria roupas e sapatos dos meninos, de qualquer forma roupa pessoal era um conceito quase inexistente, era tudo de todo mundo e pouco, ainda por cima. Preparei também o espírito de Israel. Os cinco novos moradores fediam a fezes e tinham uma crosta de sujeira na pele. Talvez tivéssemos que raspar as cabeças.
Dia seguinte, Chevette vazio e forrado, fui buscá-los. (…)
-O que a senhora quer que eu faça?, perguntei, sentindo uma vergonha
universal do ser humano, todos: Políticos, religiosos, engajados de todas tribos, de mim mesma, que dizia toda, toda, vem lá prá casa, mas oferecia uma garagem, uma cama para toda a família, a mesma história de sempre.
Orgulhosa mesmo só fiquei de Israel que, em meio a seus conflitos sobre viver meu sonho, e não o dele próprio, organizou da melhor maneira possível o quartinho e ainda carregava Susana para lá e para cá. Igualmente orgulhosa de meu filho biológico, Mércio, quatorze anos, que ofereceu sua única camisa para o menino de onze, recém chegado.
-Ué, Mércio, mas foi teu primeiro presente de aniversário, só prá você… Não
se incomoda em dividir?
-Quem divide a mãe com todo mundo, vai lá se preocupar com camisa?
Entendi o recado. Só que não dava para mudar.(…)”
Serviço
Lançamento em Fortaleza do livro A Casa da Vida
Dia:16/03 (sexta-feira) a partir das 19h
Local: Livraria Leitura do Shopping Riomar
R. Des. Lauro Nogueira, 1500 – Papicu
Com informações da assessoria do evento