Médico e psicóloga alertam sobre o grande número de crianças comprometidas com a doença e a necessidade de uma grande infraestrutura para o tratamento




Foto: Arquivo Pessoal


Theoharis Sfakianakis e Liane Bastos trabalham para combater e tratar a microcefalia


A microcefalia é uma má-formação congênita em que o cérebro da criança não se desenvolve da forma adequada. O crescimento oportuno irá depender do desenvolvimento do cérebro, uns ficam mais ou menos comprometidos. Em 2015, o Brasil viveu um surto, com o nascimento de crianças acometidas pela doença. Sabe-se que esse aumento deu-se devido ao fato das mulheres grávidas terem sido infectadas com o zika vírus. Já foram detectados mais de dois mil casos de microcefalia no país.


A psicóloga Liane Bastos Efcarpidis, especialista em neuropsicologia e reabilitação psicológica, e o médico Theoharis E. Sfakianakis, especialista em neuropediatria, ministraram palestra em Fortaleza acerca do tratamento e o diagnóstico da Microcefalia. Em entrevista a  Agência da Boa Notícia (ABN), o casal destacou os desafios e  novidades em relação ao tratamento. “Foi uma geração inteira de crianças comprometidas por esta doença e o tamanho da infraestrutura necessária para fazermos frente ao desafio é muito grande e demanda uma quantidade de investimento que um país em meio a uma crise política”, ressalta o casal.

 
ENTREVISTA
(Agência da Boa Notícia) Como a psicologia pode ajudar no tratamento de crianças portadoras de microcefalia e na orientação às suas respectivas mães?
Liane Bastos e Theoharis Sfakianakis – A Psicologia oferece diversos tipos de intervenções voltadas para o tratamento da pessoa com microcefalia. Como as crianças com microcefalia apresentam atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor, elas devem receber intervenções de habilitação neuropsicológica e, quando necessário, psicoterapia. Já as famílias, não somente as mães das crianças com microcefalia, devem receber psicoeducação constantemente acerca dos cuidados de uma criança com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Abordamos as famílias visando evitar a sobrecarga de cuidados apenas na mãe, co-responsabilizando todos os membros da família acerca dos cuidados com a criança com microcefalia. A escola também deve receber orientações e direcionamentos do Psicólogo a fim de utilizar as ferramentas de salas de recursos especiais em benefício da criança.

(ABN) Na sua opinião, o Brasil tem caminhado para acolher e dar o devido tratamento as crianças que nasceram com a doença? Você acredita que o país caminha de forma positiva?
Liane e Theoharis  – Não. De uma forma geral, nenhum país estaria preparado para enfrentar um desafio com as proporções com a qual nos deparamos hoje. Até o momento, foram detectados mais de 2 mil casos de crianças com microcefalia devido à infecção congênita pelo virus zika e a estimativa é de que todo mês nasçam em torno de 150 a 200 crianças acometidas por essa embriopatia. Foi uma geração inteira de crianças comprometidas por esta doença e o tamanho da infraestrutura necessária para fazermos frente ao desafio é muito grande e demanda uma quantidade de investimento que um país em meio a uma crise política e econômica como o Brasil não está pronto para oferecer. Fora o custo social enorme que cada criança dessa representa para a sua família. Cada uma delas tem estimativa de gerar um custo mensal médio (em uma situação ideal em que pudessem ser oferecidas todas as condições de infraestutura de cuidados ) de 5 mil reais em tratamentos medicamentosos, terapias de estimulação com a equipe multiprofissional além dos cuidados diários que eles necessitam, pois elas se encontram em situação de dependência completa para a realização das atividades de cuidados diários. Uma equipe multiprofissional é composta por médicos de diversas especialidades (pediatra, geneticista, neuropediatra, endocrinopediatra, pneumologista, fisiatra, ortopedista) além de terapeutas como o neuropsicólogo, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, nutricionista, enfermeiro. Normalmente esses profissionais devem se reunir em centros especializados nos cuidados desses pacientes e que devem ter estrutura tanto para o atendimento de demanda ambulatorial como para internações em regime de hospital-dia. Isso tudo sem falar nos gastos necessários para uma educação especializada e direcionada para as particularidades desses pacientes nas escolas. O Brasil está caminhando para a inclusão social desses  pacientes uma vez que a própria sociedade está se mobilizando para isso através da organização em associações de pais e movimentos em prol das causas dos pacientes com necessidades especiais. Essa pressão política culminou com a inclusão na pauta dos governantes das políticas de saúde para as doenças raras em 2013-2014 (antes mesmo do surto de microcefalia), das quais os pacientes com embriopatia pela infecção congênita pelo zika estão se beneficiando. Mas ainda resta muito a se fazer por eles e por todos os pacientes com demandas especiais que se enquadram nessa categoria.   

(ABN) Além dos cuidados para evitar a proliferação do mosquito Aedys Aegypti, como a sociedade pode contribuir com as crianças que nasceram com essa patologia?
Liane e Theoharis   – As políticas de inclusão são muito importantes para auxiliarem no desenvolvimento neuropsicomotor das crianças com microcefalia. A acessibilidade possibilita que o sujeito possa circular nos espaços públicos com menos dependência, o que lhe promove um sentimento maior de autonomia. As políticas de inclusão escolar promovidas pela Leis das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, bem como as novas tomadas de decisão sobre direitos das pessoas com doenças específicas, como dislexia, favorecem o desenvolvimento de estratégias específicas para a facilitação da aprendizagem. O fomento para a criação de centros especializados em cuidados de pacientes com doenças raras também é muito importante, pois esses centros sediam as equipes multiprofissionais que se encarregarão dos cuidados especializados desses pacientes. Devem ser criados mais centros em diversos municípios dos Estados para que as familias possam dispor desse tipo de atendimento diário sem a necessidade de grandes deslocamentos. E é somente através da pressão política da sociedade civil organizada que as verbas públicas poderão ser direcionadas para a ampliação da instalação de novos centros como esses.

(ABN) Quais as novidades em relação ao tratamento da microcefalia no que diz respeito ao ramo da psicologia?
Liane e Theoharis  – Os avanços das neurociências têm se refletido no desenvolvimeno de estratégias diversas para a habilitação neuropsicológica das crianças com prejuízos cognitivos. Habilitação neuropsicológica significa que o psicólogo irá se utilizar de ferramentas baseadas nas áreas preservadas da cognição para estimular e desenvolver as funções cognitivas deficitárias. Portanto, se um sujeito tem problemas de linguagem, ele poderá ser reabilitado através da função cognitiva que lhe é mais apropriada e por meio de temas que lhe motivam mais.  

(ABN) Seria possível você nos explicar a diferença no desempenho entre crianças e mães que conseguem atendimento psicológico para lidar com a nova realidade e àquelas que não tem acesso ao acompanhamento?
Liane e Theoharis   – A psicologia oferece psicoeducação para mães de pacientes com microcefalia, o que significa oferecer continuamente informações diversas a respeito da doença. A orientação para adequação do tratamento e da co-reponsabilização de todos os membros da família e não apenas um também diminui a sobrecarga de cuidados em um único membro. Quando estas intervenções não são oferecidas, as mães têm mais chances de desenvolver transtornos psiquiátricos menores.

(ABN) A epidemia de microcefalia originada de mulheres infectadas pelo zika vírus tornou-se um grave problema de saúde pública. Na sua opinião, as autoridades estão dando a devida atenção ao problema?
Liane e Theoharis  – Não. Nós ainda sabemos pouco sobre essa doença, mas com o que já sabemos é o suficiente para termos uma previsão de que o número de nascimentos de crianças com microcefalia poderá crescer muito mais. Os esforços necessários para evitar que novos nascimentos ocorram ainda são insuficientes. Não somente o governo, mas toda a sociedade deve se comprometer com esforços para minimizar o impacto dos nascimentos que já ocorreram e daqueles que ainda ocorrerão no futuro. Nós esperamos que a taxa de malformações congênitas cresça em torno de cinco vezes mais do que a taxa esperada para a população na época anterior ao surto de microcefalia pós infecciosa, conforme dados da OMS e do ECLANC, que estimavam que a taxa de nascimentos com crianças com microcefalia após o surto do Zika girasse em torno de dois e meio nascimentos para cada dez mil gestações (desses dados contra a taxa de 0,5 casos para cada 10 mil gestações das estatísticas mundiais). A sociedade precisa se organizar não só pra combater o mosquito, mas fazer esforços científicos para a criação de uma vacina e para o desenvolvimento de políticas sociais e econômicas, pois a microcefalia não é desencadeada apenas pela situação biológica de um vírus infectando as gestantes, mas também é decorrente de um problema social grave que temos no nosso país, pois boa parte dos casos de microcefalia nasceram em comunidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o que permite afirmar que a pobreza está associada com o aumento das taxas de malformações, não só ocasionada pelo Zika, mas também decorrentes de outros motivos, como uso de teratógenos (álcool, drogas), condições de desnutrição, condição precária de assistência ao parto e condições precárias de infraestrutura sanitária, favorecendo a proliferação de doenças.   

 

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