Antes de ontem, enquanto voltava para casa, mais cedo para não pegar muito trânsito na estrada, fiquei pensando no valor que têm as coisas mais simples dessa vida. Sábado, cheguei ao sítio São Bento, onde mora minha amiga Válquia, debaixo de chuva. O ar já era outro, o clima da serra torna a respiração melhor, parece que acalma. O almoço já estava à mesa, a nossa espera desde às onze e meia. Minha amiga cumpriu o ritual de sempre, mostrou o quarto, a cama, fez as observações que a intimidade dos anos já tornou corriqueiras: “vê se não espalha muito as coisas, ouviu dona Regina“?


O resto do tempo foi de tanta paz, tanta calma. Levei um computador e um pendrive com um monte de arquivos para ler, coisas para fazer, além, claro, de um livro: Bartleby, o Escrivão. Uma história de Wall Street, do escritor novaiorquino Herman Melville, de quem nunca havia lido nada. Acordava cedinho, precisava de um casaco para ficar lendo no alpendre. Meus olhos viveram encharcados de verde e azul. Ouvi, quase sem parar, os sons da natureza: os passarinhos deixando os ninhos de manhã, fiando conversa e cantiga; o concerto dos galos madrugada adentro; os sapos à noite; os chocalhos do gado saindo do curral de manhãzinha e voltando ao cair do sol; o chiar do vento cortando o silêncio.


As frutas rodeiam o sítio: manga, limão, abacate, açaí, carambola, banana. Para a salada, minha amiga pega o tomate e o pimentão da horta. O colorau, fazia séculos que eu não via colorau, é feito em casa. Tudo ali, à mão. Domingo, fui à casa da Isabel, cunhada da minha amiga, encomendar ovos de galinha caipira. “Ô Isabel, arranja uns ovos pra mim“. Na terça, pela manhã, ela chegou: “Regina, o seu presente“. Era uma sacolinha com 18 ovos. Quis pagar, ela não aceitou.


Até brinquei de adedonha com meu filho e uma amiga dele, a Jamile, pré-adolescente. Eu e meu filho buscávamos os nomes dos lugares e das frutas lá longe. Um lugar com “f“ era França ou Fernando de Noronha. Jamile pôs Faísca. “Faísca, Jamile?“ “É tia, um lugar aqui em cima“. Prestei atenção: Jamile tem a vida tão perto dela, no quintal, nas redondezas. Por isso, enquanto voltava para casa na terça, tive saudade daquela riqueza que é uma vida tão simples e tão boa.


* Artigo publicado em 18.02.2010 no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização da autora.

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