Todos sabemos das dificuldades em relação ao novo. O ser humano teme o novo e, em geral, não se está aberto para ele, principalmente em um sistema coletivo, onde ao medo individual se soma o medo coletivo às mudanças. Fala-se em “vícios” e todos sabemos como é difícil nos desfazermos de vícios individuais, e o que dizer dos coletivos. Ademais, nenhum gestor conseguirá mudança alguma se não implantar um sistema de sensibilização coletiva, se não conseguir tocar no âmago, na alma de todos.

Fomentar uma discussão ampla e coletiva sobre mudanças e fazer com que a mudança venha como uma avalanche revolucionária, vindo da ponta (do funcionário) às chefias, geralmente demanda muito esforço pois começa do maior para o menor, sendo necessário um grande poder de mobilização de massas. É excelente como marketing, mas demanda repetições contínuas para efetivação das mudanças. Mas quando se começa as mudanças no sentido contrário, das chefias à ponta, o movimento, em geral, é muito mais rápido e efetivo.

Uma sistema utópico sempre é formado por integrantes utópicos. Não se conseguirá nenhuma mudança coletiva enquanto não se conseguir mudanças individuais, e se essa mudança individual não for uma mudança interna não haverá nenhuma mudança externa visível e permanente. E mais, para se conseguir qualquer mudança há que se ter um diagnóstico, ou seja, para que se obtenha algum grau de transformação pessoal há que se ter algum grau de autoconhecimento: saber quem somos nós, como agimos e como funciona o nosso inconsciente, interferindo e influenciando em nossas ações, decisões, sentimentos, pensamentos. E falar em inconsciente é falar em ego, egoísmo, mecanismos equivocados de controle sobre o outro, complexos de superioridade e de inferioridade, etc..

Em todos os lugares se fala de humanização, humanização do serviço, humanização no atendimento, etc., etc.. Humanizar é voltar o foco do que se faz para o ser humano, desviando do individual para o coletivo, e com isso, geralmente, fazem-se medidas externas procurando-se o bem estar físico do homem: uma televisão, uma música, um jardim, uma ouvidoria, melhora salarial, etc.. Não que isso não seja necessário, mas são mudanças apenas externas e o ser humano é mais que um corpo físico com necessidades materiais. O ser humano é um ser multidimensional, físico, emocional, mental, social e espiritual. A própria definição de saúde da OMS contempla o bem-estar psicossomático, social, ambiental e cósmico (espiritual), pois já se percebe que somos, em essência, seres espirituais, interligados uns com os outros, com o meio ambiente e com o cosmos. Nessa abordagem, a dimensão espiritual seria a nossa dimensão subjetiva, intuitiva, a da aceitação do desconhecido, do inesperado, do imprevisível, com abertura, tolerância e diálogo. Ter espiritualidade é perceber subjetivamente o mundo que nos cerca e reagir a ele. Ter espiritualidade é perceber o próprio ser humano nessa perspectiva integral.

Então falar em humanização é falar em medidas que contemplem o ser humano de uma forma integral: biológica (física), emocional e mental (psicológica), social e espiritual, que começa sensibilizando a todos da existência dessas dimensões em si mesmo. Só posso cuidar integralmente do outro, humanizar-me, se eu atender a todas as dimensões do Ser. Mas como? Podemos começar apenas simplesmente com um olhar: olhando verdadeiramente para o outro. Olhar para o outro é calar, ouvir verdadeiramente o que o outro tem para nos dizer, fitar seu olhar, esquecer de si e perceber o outro em suas necessidades físicas e emocionais. Mas para ser capaz disso devemos ser capazes de olhar para nós mesmos, ouvir verdadeiramente quais são nossas necessidades, o que nos faz bem e o que nos faz mal, percebermo-nos em nossas necessidades físicas e emocionais, perceber a nossa subjetividade.

Em geral estamos infelizes sem sabermos as causas dessa sensação. Fazemos coisas que não queremos fazer e falamos o que não devemos falar. Causamos feridas nos outros sem percebermos e quando percebemos não sabemos os porquês. Trazer a nossa vida à consciência é um trabalho de silêncio e introspecção, mas uma vez percebido o que ocorre nessas outras dimensões nossas e porque ocorre, seremos capazes de perceber o outro integralmente. É quando silenciamos que percebemos o outro. E temos que admitir a dificuldade que é efetuar essa sensibilização em trabalhos de massa, sendo muito mais efetivo quando realizado em pequenos grupos, confiando em seu  poder de  multiplicação.

Essa é a chave para o manejo com o outro. Nossas relações interpessoais que em geral são baseadas no ego, no consumo energético do outro, em estratégias de controle do outro, ações essas feitas na total inconsciência, passarão a mudar, a serem conscientes. É a chave para a formação do verdadeiro líder, aquele capaz de perceber as qualidades do outro e incentivá-las, aquele capaz de formar novos líderes e dar independência para eles, aquele capaz de “guiar” os outros agindo nos bastidores. Um verdadeiro líder não manda, mas busca o consenso, não castra, não inibe, não restringe, não manda. Um verdadeiro líder orienta, incentiva, convence, não está querendo aparecer e está sempre aberto ao diálogo.

Num ambiente de gestão humanizado todos são líderes, são plenamente conscientes de suas habilidades e de suas deficiências, procuram exercitar-se onde estão deficientes e desenvolver novas habilidades, sabem quais são os seus deveres e os cumprem sem cobranças e, principalmente, são capazes de formar novos líderes. Num ambiente assim o trabalho flui integradamente como num formigueiro, sem ninguém emperrar o processo e cada qual sabendo da importância do seu papel. Como ninguém está apegado ao seu ponto individual de vista, o consenso surge naturalmente, provindo das profundezas misteriosas de nosso ser. Todos têm a visão sistêmica e coletiva do que está ocorrendo e agem de acordo com tal visão coletiva.

Cláudio Azevedo
– Médico, psicoterapeuta, teósofo, tanatólogo e escritor.
croberto@orion.med.br

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