Uma casa vermelha de dois andares no bairro da Aclimação, na região central de São Paulo, reúne a relação secular entre russos e ucranianos através da culinária e da língua. Nela, estão localizados o restaurante russo Barskiy Dom e o Clube Eslavo, uma escola que dá aulas de ucraniano, russo e polonês. Os dois foram fundados por Snizhana Maznova, uma ucraniana de filha de pai russo e mãe ucraniana, com uma biografia que personifica as histórias entrelaçadas das duas nações hoje em guerra.
Em São Paulo desde 2008, Snizhana começou a dar aulas de russo, uma língua que dominava melhor que o ucraniano por ter sido o idioma oficial de onde cresceu, para sobreviver financeiramente. Acompanhava as notícias sobre a Ucrânia à distância e ouvia ainda no início da década passada alguns políticos russos afirmarem que o país pertencia à Rússia. Julgava bobagem, uma loucura que ninguém levava a sério, até a Crimeia ser invadida em 2014.
Quase dez anos depois da invasão da Crimeia, a ucraniana lembra a sensação ao ver as notícias. “Foi uma coisa super louca porque era inacreditável. Você pode imaginar Portugal chegar ao Brasil e falar que um Estado pertence a eles porque historicamente eles foram colônias portuguesas?”, relembra.
Ucranianos, principalmente jovens, passaram a estar mais unidos; a relação desses com os russos que se opõem à guerra permaneceu a mesma de antes; e os laços com os que são favoráveis ao conflito foram cortados. A comunidade eslava também passou a organizar bazares de roupas para refugiados ucranianos que chegam ao Brasil, eventos de arrecadação de fundos para auxiliar na compra de geradores para escolas ucranianas e a fazer o trabalho de intérprete para diversas organizações de proteção a refugiados.
Enquanto a comunidade eslava se une em torno da oposição à guerra, o conflito se estende principalmente no leste da Ucrânia. Snizhana acompanha à distância, mantendo contato com a mãe ucraniana e o pai russo, que permanecem no país invadido. Apesar das diferenças de nacionalidade, os dois enxergam o conflito da mesma forma: como uma violência contra um povo que quer ser independente, após séculos de dominação.
(Fonte: Folha de S.Paulo)