Uma radioescola guarda uma semelhança com o Cavalo de Troia. Montar e desenvolver uma rádio dentro da escola parece uma intervenção simples, um instrumento didático que pode ajudar a dinamizar as aulas e os conteúdos, da mesma forma como sempre foi feito, dentro da mesma ordem estabelecida. Uma aura de sedução que pode encantar aos mais desavisados como o canto da sereia.


Com a radioescola, passamos a vislumbrar uma dinâmica em que os estudantes também têm acesso à expressão de seus pensamentos pela fala, de maneira amplificada, manifestando coisas que povoam seus imaginários, nem sempre com o filtro e a formatação que se costuma dar, por exemplo, aos textos escritos. Uma fala que vai ser escutada e pode vir a ter eco. As coisas podem não permanecer como estão.


Antes de incorporar uma rádio ao cotidiano de uma escola, seus educadores devem se perguntar se acreditam que o que os estudantes têm a dizer deve ser considerado e se querem escutar. Entendendo que na limpeza desses canais de comunicação cria-se a necessidade da mediação dos conflitos que seguramente vão surgir. O rádio é uma mídia que porta a fala e tem o potencial de transformar o que está posto, de trazer à tona os problemas que estão sob o tapete e provocar a problematização. Que tipo de educação essa escola desenvolve?


Um outro detalhe é até que ponto os educadores se disponibilizam e se responsabilizam em acompanhar os estudantes em todo o processo de produção e veiculação dos programas radiofônicos. Não parece justo e apropriado deixá-los cuidando da radioescola sozinhos e esperar que exibam uma programação que atenda eficazmente a todos os ouvintes. A rádio está fora dos contornos da sala de aula, mas esses estudantes não vão ter a condição de prescindir de seus mestres.


Freire dizia, sem floreios, que educação é, necessariamente, comunicação. Mas é difícil compreender o que isso significa e é doloroso abrir mão do lugar confortável que perpetuamos desde a passagem dos jesuítas, em que o professor ensina e o aluno aprende, o professor fala e o aluno escuta –ciclo de comunicação incompleto e impossibilidade de um dos lados se fazer presente.


Paulo Freire não negava a necessidade da existência da instituição escolar. Mas sonhava com uma escola em que existisse a troca de saberes entre quem ensina e quem aprende e no intercâmbio desses papéis. Numa via de mão dupla, nas mensagens compartilhadas e modificadas nas duas pontas, transitando de um polo ao outro. Ele insistia na escola como um lugar feliz.


Percebo um saldo positivo na experiência com radioescolas nas escolas públicas de Fortaleza e de cidades do Interior. Nesses lugares, encontramos alguns educadores que se permitem às emoções de lidar com o inédito viável de Freire e vêm assumindo riscos por uma educação não limitante.


* Artigo publicado em 07.09.2010 no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização da autora.


Marilac de Souza é Mestre em Educação Brasileira, coord. pedagógica da ONG Catavento Comunicação e Educação e coord. do projeto Segura essa Onda – marilaclira@yahoo.com.br

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here