A ideia absorvida é a de que tristeza não serve para nada, só atrapalha, faz mal, incomoda. Por isso tem mais é que ser banida, negada, abafada. Mas a vida é o palco onde contracenamos alternando alegria e dor. Como a medalha de dupla face, esse é o real da vida, que é bela, apesar de inquietante.


Somos seres maravilhosos, mas também insuficientes. Insuficiência que incomoda, que angustia. Preferimos então viver a ilusão de que somos capazes, suficientes e quem sabe até onipotentes. Preferimos brincar de deuses. Contudo, a intolerância contemporânea à dor e a qualquer tipo de sofrimento distancia-nos cada vez mais de nossa verdade interna. Passamos a privilegiar felicidades irreais que nada preenchem.


Mas servirá a tristeza para algo de bom na experiência humana? Talvez devamos começar nos perguntando: o que sabe a pessoa que não sofreu? Será possível amadurecer sem acolher a cota de tristeza que certos momentos produzem? Será feio permitir-se viver esta tristeza da mesma forma que se vive a alegria?


Se formos honestos podemos reconhecer que é quando estamos recatados, quase tristes, que entramos em contato mais profundo conosco, com a grande emoção, e até com a poética. É o que se observa na expressão de grandes figuras da arte, da literatura, da filosofia: pessoas que fizeram de sua tristeza um lugar criativo e produtivo, e, com isso, deixaram um legado de indiscutível valor para a humanidade.


É desse lugar que fala Sponville em Bom dia, angústia: “a dor e a angústia fazem parte do real, da salvação, e são eternas e verdadeiras, tanto quanto o resto. A sabedoria está na aceitação do real, não em sua negação”.


Vivemos num momento cultural que repudia esse sentimento, que enseja a alegria fácil, que pensa a tristeza como coisa de gente mal sucedida, mal amada. A gente sabe o quanto se engana em relação a isso. Não precisamos temê-la, mas acolhê-la do mesmo modo que acolhemos outras dimensões do viver.


O que deve ser temida é a alegria fácil, enganosa, nada construtiva. Seria importante honrar a verdade existencial de cada momento, compreendendo que não é feio, mas maduro, confrontar-se com a tristeza e poder vivê-la. Somos seres sofrentes e gozantes. Ambas as dimensões procedem da mesma fonte: nossa sensibilidade. Podemos pensar que se “na natureza nada se perde, tudo se transforma”, também na experiência humana tudo pode servir ao crescimento pessoal.


Tenho uma grande amiga que diz que precisamos ter “uma reserva de felicidade”, quando vivenciarmos e sentirmos os momentos felizes devemos armazená-los em nossa mente como uma grande poupança, pois com certeza necessitaremos dela para amenizar a dor de uma tristeza.


Talvez durante nossa vida nos preocupemos pouco com isso e muitas vezes deixemos passar um grande investimento de alegria desses que vai fazer muita falta quando precisarmos de algo bom para lembrar e sentir. Por isso faço minhas as suas palavras e sugiro que no ano novo aproveitemos mais a vida, as pessoas e os momentos felizes nos seus menores e profundos detalhes, sem deixar escapar nada, principalmente a boa risada de quem um dia poderá não estar mais entre nós!


* Artigo publicado em 18.12.2010 no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização da autora.

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