Até a morte, tudo é vida (Cervantes)

Quando pensamos no tempo pensamos como algo que utilizamos para o trabalho, algo necessário para se “ganhar a vida”. Mas porque pensamos assim? Simplesmente porque há muitos e muitos anos foi adotada a fórmula de que “tempo é dinheiro” e instituiu-se um modo de vida moldado na troca do tempo dedicado ao emprego, na realização de algo, por dinheiro.  A divisão do trabalho e a apropriação social do seu resultado, girando em torno do emprego, levam aquilo que Karl Marx chamou de “alienação do trabalho”: os três conceitos se confundem. Tempo, trabalho e dinheiro. Esses três conceitos parecem ser três aspectos de uma mesma realidade.

O tempo do trabalho é visto como o tempo que se vende, e não como parte da vida livre, e o trabalho é visto como um encargo necessário e não uma contribuição espontânea, como algo que acrescente uma atitude que mude algo em nossa vida. A falta de tempo é um drama na atualidade porque as pessoas vão deixando de pertencer a si mesmas e vão se transformando em escravas de muitos compromissos.

A já tão conhecida máxima americana que diz que “Tempo é dinheiro” transformou-se num preconceito que dificulta a solução do problema da falta de tempo que aflige tantos seres humanos. Na verdade, a realização do sonho de liberdade individual do ser humano deveria, hoje, começar por aí: liberar-se da escravidão imposta por compromissos e pela má administração da vida.

Existem muitos fatores que levam à perda de tempo; um, no entanto, é o principal: perde-se tempo quando não se pensa, quando se age mecânica e rotineiramente seguindo os pensamentos e idéias pensadas por outras pessoas. A função de pensar, entorpecida que tem sido por preconceitos, crenças e idéias retrógradas, deve ser ativada em função de um grande objetivo que norteie a vida do ser humano.

De posse dessas informações podemos perguntar que diferença podemos notar nos três conceitos: tempo, dinheiro e trabalho?

Tempo, dinheiro e trabalho são conceitos distintos. Tempo é vida, dinheiro é reserva de valor ou um meio de troca, e o trabalho é esforço para gerar valor. As ações se dão no tempo, mas não podem ser remuneradas em dinheiro, porque sua maior recompensa é o próprio valor que geram.

Alienação do trabalho é pensar que sua finalidade é destinada apenas a remuneração do esforço e não a geração de valor. A utilidade social da pessoa é o seu maior valor, e o dinheiro é uma expressão deste valor acumulado, é um reconhecimento.  A expressão “tempo é dinheiro” dramatiza a importância do tempo. Não desperdice tempo, você está desperdiçando dinheiro. Somos ensinados a dar mais valor para o que recebemos, do que ao tempo que dedicamos a executar tais ações. A criança que brinca, é mandada para a escola para aprender uma profissão para depois conseguir um emprego, ganhar dinheiro e com ele poder enfim “brincar”.

O mito do ócio é cultuado como um ideal de vida, mas o trabalho é o caminho para atingi-lo. Trabalha-se durante a semana para “viver” no fim de semana. Trabalha-se um ano para gozar a vida nas férias. Depois de “ganhar a vida” vendendo horas de seu trabalho, o empregado visualiza a aposentadoria como um éden de ócio, sem nada para fazer.

Um grande engano é pensar que o tempo é uma coisa, algo que se possa ter ou que nos falte. Viver é fazer as escolhas, e, portanto administrar o tempo é eleger prioridades. Escolher algo implica abrir mão de outras opções. E, se esta escolha for consciente e responsável, o valor de tudo aquilo de que se abre mão, se transfere para aquilo que se escolheu fazer. É um ato de potência, de transferência de valor. O erro é fazer algo lamentando o que se deixa de fazer.

Tempo não é dinheiro. Conseguir dinheiro é que é uma questão de tempo. Mais uma vez afirmamos que tempo é vida. E o valor da vida não tem preço. Meu tempo é minha vida. Administrar bem o tempo é viver bem, é  ter qualidade de vida.

De fato, todo o tempo da vida é um tempo livre cujo sentido, significado e finalidade são dados pela própria pessoa. Não se trata apenas de “matar o tempo” no ócio, mas de fazer algo que responda as necessidades de realização.  A vida livre é mais rica justamente no trabalho. Não no trabalho alienado em que se troca o tempo pelo dinheiro, mas no trabalho que dá sentido, que enobrece a alma e gratifica, o trabalho que desenvolve potencialidades e estabelece vínculos afetivos

Administrar bem o tempo significa acumulá-lo dentro de si; ser consciente daquilo que se viveu e ter um plano para a vida futura. Ter um domínio sobre si mesmo e um objetivo definido para a vida que se está vivendo; todos os nossos atos e pensamentos impregnados por um grande objetivo que contemple o aperfeiçoamento individual e coletivo da espécie humana. Significa, antes de tudo, encarar a vida como um grande campo experimental de aprendizado e realização. Tempo é vida e pode ampliar-se indefinidamente independente do monótono movimento dos ponteiros do relógio.

Segundo Oliver W. Holmes, “Uma das coisas mais importantes na vida não é saber onde estamos, mas em que direção estamos indo”. Tem que haver um objetivo definido e determinação para percorrermos o caminho escolhido, superando os obstáculos que com toda certeza surgirão pela frente.

De acordo ainda com Benjamin Franklin, “Amar a vida é amar o tempo. Tempo é aquilo do que a vida é feita”. Portanto, tempo não é dinheiro, é vida com felicidade, com qualidade. Agora, com o tempo pode-se ganhar dinheiro, mas com o dinheiro não se compra tempo e nem sempre se garante a felicidade. E a administração do tempo é somente uma questão de planejamento, de definição de prioridades.

Mas para definir prioridades, é primordial sabermos o que é importante para nós, tendo em vista que o senso de urgência, movido pelas emoções e reações das pessoas, está sempre presente nas nossas vidas, consumindo o nosso tempo. O que é urgente nem sempre é importante, mas por uma questão de incapacidade de definição de prioridades, de valores, muitas atividades que são realizadas com tanta urgência não afetariam em nada as nossas vidas se não fossem executadas. Sendo assim, temos que nos conscientizar de que a importância está no valor que atribuímos às coisas e não no prazo de execução, o qual mal administrado culmina com o corre-corre desenfreado e no estresse diário, tão comum hoje em dia.

 Shandra Aguiar é Coordenadora do Nucleo de Educação do Consumidor da Universidade Federal do Ceará – Contato: 3366 9474

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