Eloá Cristina, morta sexta-feira passada, no apartamento onde fora tomada como refém, continua sendo massacrada, diariamente, pela mídia brasileira. Explorando recursos que acentuam seu poder de influenciar as pessoas, a televisão explora o caso com requintes de sado-masoquismo, deliberadamente empenhada em chocar. E, nisso, transforma a dor em espetáculo.
Por trás dos grandes telejornais, movimentam-se não apenas jornalistas, a quem cabe informar com isenção, com um olho no texto e o outro no Código de Ética, mas também profissionais encarregados de comover, verdadeiros “editores de emoção”. A reportagem precisa impactar, o que se obtém num cuidadoso jogo de técnicas que envolvem palavras, imagens, fundo sonoro e até mesmo silêncios. A edição perfeita é aquela que leva às lágrimas.
No dia seguinte, para testar seu poder de fogo, a TV manda às ruas os repórteres. A missão é checar o tamanho do terremoto causado. Aí, flagram-se pessoas neurotizadas, mostrando perfeita intimidade com todos os lances e personagens da tragédia e dizendo de como passaram a administrar sua vida diante da tsuname de violência que se abate sobre a sociedade brasileira.
À imprensa, não cabe esconder as pequenas e grandes tragédias que se passam nas ruas, nas mansões da classe alta ou nos apartamentos humildes como o de Eloá. Mas também não é seu papel transformar a brutalidade em espetáculo e utilizar-se dos dramas humanos para levantar audiência. A imprensa deve, sim, preocupar-se com a violência. Mas precisa levar em conta que sua responsabilidade é proporcional a sua ascendência sobre a opinião pública. A exposição gratuita da violência, na luminosa telinha, gera mais violência. Está comprovado. Estudos orientados pela Teoria da Aprendizagem Social mostram que a emissão de comportamentos agressivos instiga – em especial crianças e jovens do sexo masculino – a agir de forma agressiva.
De tanto espargir sangue na sala de estar do povo brasileiro, estamos construindo uma sociedade viciada em violência.
* Artigo publicado no Jornal O Povo em 24/10/2008 e reproduzido neste site com autorização do autor.
Italo Gurgel
Jornalista, Coordenador de Comunicação Institucional da Universidade Federal do Ceará
italogurgel@yahoo.com.br