Não é de hoje que a organização da república brasileira é alvo de críticas. Cada vez que se anuncia uma reforma política pululam propostas exóticas aos borbotões. Além de técnico de futebol, médico e louco, o brasileiro também tem um pouco de constitucionalista. Afinal de contas o Brasil é um país livre e todos podem dar os seus pitacos de como ele deve se organizar politicamente. Uns são favoráveis à reeleição, outros não. Uns propõem mandato de dez anos para senador, outros cinco. Alguns lembram que seria melhor juntar todas as eleições, de presidente a vereador, em uma única vez, outros querem manter separadas. Uns reivindicam mandato de cinco anos para os executivos, outros de quatro. Uns optam por reforma política com assembleia constituinte exclusiva, outros só pelo congresso nacional. Mas talvez o assunto mais apaixonante seja o de transformar o voto obrigatório em optativo  o que divide os constitucionalistas tupiniquins em tribos rivais e com argumentos suculentos e com trocas de bordunadas verbais.


 


O genial Lima Barreto descreveu o ambiente político do início da república no Triste Fim do Policarpo Quaresma. Retratou a construção aos trancos e barrancos do novo regime erigido em Pindorama. Contudo foi no romance satírico Os Bruzundangas onde  os políticos  tinham conseguido quase totalmente eliminar do sistema eleitoral o voto. Um elemento perturbador da república. Bruzundanga era uma república imaginária. Nem tanto. Tanto lá como no Brasil republicano não votavam os religiosos, soldados, mendigos e mulheres. Analfabetos nem pensar, isso era coisa lá  do tempo de Dom Pedro II. Contudo o voto passou a ser obrigatório na república dos militares  e não facultativo como no império, quando votava quem quisesse e não havia nenhuma punição por isso. Portanto aos que defendem o voto não obrigatório é só se lembrar que ele já existiu no Brasil por volta de 1870 até a proclamação da república. De lá para cá os eleitores são ameaçados a pagar multa, perder alguns direitos como o de participar de concursos públicos. Ou seja na visão dos positivistas do começo da república até hoje quase todo mundo tem que votar.


 


Em Ibirapitanga cultivou-se a prática que analfabeto teria direito de votar. Não era nenhuma concessão que as oligarquias faziam para os mais pobres. Afinal, mesmo entre os proprietários de terras e escravos, o percentual de analfabetos era muito alto. Como eram a classe dominante tanto na colônia, como no império, não poderiam ficar fora do processo de escolha dos que governavam a terra. Ele perdurou quase 300 anos. Usava-se os mais engraçados artifícios para ensinar um analfabeto votar, um deles era assoprar na orelha do eleitor as letra que compunham o nome do candidato. Só com a reforma Saráiva em 1881 ele perdeu o direito de votar. O analfabeto ficou fora do processo eleitoral por 107 anos, só recuperando esse direito com a constituição de 1988. Portanto, Bruzunganga ou Pindorama, ou Ibirapitanga deu um exemplo ao mundo ao contar com o voto dos analfabetos.


 


* Heródoto Barbeiro é escritor e jornalista da RecordNews e R7.com – herodoto@r7.com


 


Artigo publicado no blog do autor (noticias.r7.com/blogs/herodoto-barbeiro) e reproduzido com sua autorização


 


 


 

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