Sempre fui um cara meio cético, fruto de uma tradição comunista marxista. Os deuses não passavam de uma estratégia de manipulação das massas para que a crueza dos regimes de dominação não fossem questionados. A religião é o ópio do povo, dizia Marx. Depois de alguns anos de vida, passei a acreditar que existiam mais coisas entre o céu e a terra do que dava conta a nossa vã filosofia. E foi aí que virei um homem de fé.


Nunca simpatizei muito com a Igreja Católica, a despeito dos defensores da Teologia da Libertação e dos líderes das comunidades eclesiais de base, grandes companheiros contra a ditadura militar e religiosa.


As seitas evangélicas, não conheço muito. Sei que são filhas do protestantismo norte-americano e que deram uma contribuição à história das religiões e que vem sendo deturpadas pelos falsos pastores que tentam tirar dinheiro do povo. Me encantei, então, pelo espiritismo. Muito influenciado por uma de minhas filhas e pela minha grande amiga Glice Sales. Passei a frequentar os centros espíritas e a fazer o evangelho no lar.


Gostei da ideia de que temos de mudar o nosso jeito de lidar com o mundo, pra conseguir viver melhor, e temos de mudar a frequência dos pensamentos, para atrair boas companhias. Obviamente, não significa que tenho conseguido fazer tais transformações pessoais, mas refletir sobre elas já é um caminho.


Tenho algumas críticas a algumas interpretações da doutrina, que afirmam que um homem tem uma vida miserável por conta do carma, de que tem de pagar por falhas de outras vidas. Mas são apenas interpretações. Um amigo espírita sempre me diz: “Gervásio, quem torna a vida de outros homens miseráveis, a sociedade e as relações de dominação que aqui se estabelecem, não tem nada a ver com o divino ou com a relação de pagamento”.


Você pode sim, vir ao mundo em uma situação de dificuldade porque você escolhe, assim, para que possa aprender com ela. A dificuldade pode ser material, mas pode ser de muitas outras roupagens. Fiquei pensando sobre isso. Um comunista espírita é mesmo meio estranho. Mas vou aceitando as muitas personagens que vão se acumulando em mim ao longo da vida.


A partir desse contato com as doutrinas espíritas, passei a me interessar mais sobre as várias formas de contato com o místico, a alma. Comecei a aprender a fazer meditação. Tentar esvaziar a mente por alguns minutos, me permitindo sair dessa corrente estressante que, cotidianamente, nos consome a todos. Meditar inicia-se com a percepção da velocidade em que os pensamentos passam pela sua mente. Até tentar fazer esse exercício, não se tem ideia de quão veloz um pensamento se sobrepõe a outro, fazendo com que a vida passe em uma fração de segundos quando você para e reflete.


O segundo estágio no exercício de meditar é quando você consegue controlar a velocidade deles e o último é, realmente, quando se tem, mesmo que por alguns segundos, a sensação de que não se pensou em nada. Atingiu uma certa transcendência. Os mantras nos ajudam muito a meditar. Por isso que os Hari Krishna repetem tanto aquele mantra “hare krishna, hare krishna, krishna krishna, hare hare”. O terço católico também é uma forma de mantra que só descobri tempos depois. Eu achava uma tolice aquele terço, hoje acho que é uma boa estratégia de meditação para quem se identifica com essa religião.


Passei muitos anos procurando a transcendência através da bebida, funcionou um tempo e depois ficou incômodo. A literatura também me traz outra forma de transcender, ler e escrever são formas de incorporação dos personagens. Por alguns momentos viramos o João, a Capitu, Ana Terra, Fabiano, Jean Val Jean, ocupamos seus corpos, seus pensamentos, vivemos suas dores, amamos como eles, nos decepcionamos como eles. Talvez a leitura seja uma forma de sair dos seus próprios pensamentos para entrar na frequência das boas almas, não sei. A forma mais bonita de meditar pra mim é ficar de frente para o mar no fim de tarde, com os pés enfiados na areia da praia. Olhar para as ondas e viajar com elas em um movimento repetitivo e sincronizado de ir e vir. Vem vai, vem vai, vem vai. Já não estou mais aqui.

* Gervásio de Paula é jornalista – gervasio41@gmail.com

Artigo publicado no Diário do Nordeste e reproduzido neste site com autorização do autor

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