Acaba de ser publicado o mais importante artigo sobre a possibilidade de salvar vidas através da detecção precoce do câncer de pulmão com tomografia computadorizada. O artigo, intitulado “Reduced mortality with low-dose computer tomography screening” (Diminuição da mortalidade por câncer de pulmão através do rastreamento com tomografia de baixa dosagem), está publicado na versão eletrônica pela revista New England Journal of Medicine, de 29 de Junho de 2011.
Entre 2002 e 2004, foram selecionados 53.454 pacientes com alto risco de desenvolver câncer de pulmão, em 33 centros médicos nos EUA. Pacientes eram considerados para o estudo se tivessem entre 55 e 74 anos de idade, e classificados como tendo risco elevado de desenvolver câncer se tivessem fumado por pelo menos 30 anos-maço (número de maços ao dia multiplicado pelo número de anos resultando em >30). Pacientes podiam ter parado de fumar até 15 anos antes do estudo. Dos 53.454 pacientes incluídos, metade foi sorteada para fazer radiografia de tórax apenas (Raio-X) e a outra metade tomografia de tórax de baixa dosagem de radiação (TC).
Em ambos os grupos os exames eram repetidos anualmente por três anos consecutivos. A tomografia de baixa dosagem de radiação tem o intuito de evitar exposição excessiva à radiação, que poderia ser prejudicial para a saúde. Estes exames foram realizados com intuito de detectar precocemente algum câncer de pulmão que ainda não se tivesse manifestado clinicamente. Um diagnóstico precoce permitiria tratamento precoce, e consequentemente maior chance de cura. Achados suspeitos, tanto em Raio-X quanto na TC, eram encaminhados para investigação adicional e tratamento no caso de diagnóstico subsequente de câncer. Desta maneira, ao longo de alguns anos, seria possível determinar quantas pessoas morriam por câncer de pulmão no grupo que fazia TC e quantas no grupo do Raio-X. Uma menor mortalidade em um dos grupos poderia indicar que aquela estratégia de prevenção era a mais eficiente.
Resultados: ao longo dos três anos de rastreamento, o grupo de pacientes submetidos à TC teve um índice de achados anormais maior (39% versus 16%) no exame. Destes achados anormais, a grande maioria acabou não sendo diagnosticada com câncer. No grupo submetido à TC foram diagnosticados 1060 casos de câncer, contra 941 casos no grupo submetido a Raio-X. A grande diferença foi que dos casos diagnosticados no grupo da TC, a grande maioria foi diagnosticada graças à TC, enquanto que no grupo da radiografia, grande parte foi diagnosticada com câncer após os três anos de radiografia, sugerindo que a radiografia tinha deixado passar um grande número de casos sem diagnóstico. A tomografia permitiu evitar um maior número de cânceres avançados que o Raio-X, graças ao diagnóstico mais precoce. Isto levou o grupo submetido à TC a ser tratado mais precocemente, com consequente menor mortalidade por câncer de pulmão.
No grupo da TC, morreram de câncer de pulmão 356 pacientes, contra 443 mortes no grupo do Raio-X. Isto representa uma diminuição da mortalidade de 20%. Um cálculo interessante é que, para salvar uma vida, teriam de ser feitas 320 TCs de baixa dosagem ao invés de Raio-X. Curiosamente, não foi somente a mortalidade por câncer de pulmão que pôde ser reduzida graças à tomografia. Mortes por outras causas também foram prevenidas, possivelmente graças à habilidade da tomografia em detectar outros problemas como doença coronariana, que puderam ser tratadas adequadamente neste grupo.
O resultado deste estudo sugere fortemente que para um grupo de pacientes de alto risco por conta de tabagismo, rastreamento com tomografia de baixa dosagem pode prevenir mortes, por permitir diagnóstico precoce e possibilitar um tratamento mais precoce e possivelmente curativo nestes pacientes.
O grande problema na aplicabilidade destes resultados é sem dúvida o custo e a disponibilidade limitada de recursos (técnicos e financeiros) para aplicar rastreamento tomográfico a nível populacional. Nenhum país tem condições de arcar com rastreamento anual de todos os fumantes, e vale lembrar que comparado a fazer radiografias simples, seriam necessárias 320 tomografias para salvar uma vida que não teria sido salva graças ao rastreamento com radiografia.
Fica, porém a mensagem que com base neste estudo, faz sim sentido solicitar, a nível individual, que pacientes de alto risco façam tomografia de rastreamento. Não fica claro por quanto tempo deverá continuar este rastreamento, nem a periodicidade após estes três anos iniciais.
Dr. Rafael Kaliks – diretor médico do Instituto Oncoguia