Aline Moura, 26 anos, e Bárbara Almeida, 24 anos, jornalistas e escritoras, são autoras do livro-reportagem “Auri, a anfitriã: memórias do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa”. Colegas na Universidade Federal do Ceará, elas decidiram transformar uma inquietação de Aline em material para o Trabalho de Conclusão de Curso. “Quando eu era estagiária de um jornal de Fortaleza, fui enviada para cobrir o Miss Penitenciária, concurso de beleza organizado dentro do Auri. Quando lá cheguei, eu fiquei encantada pela vivacidade daquelas mulheres. Por outro lado, fiquei realmente aflita ao entrevistar as candidatas. Como poderia resumir em poucas linhas a história de vida daquelas mulheres?”, recorda Aline.


A ansiedade foi compartilhada com outros colegas da faculdade e, em seguida, anunciada como um projeto. Na outra ponta da narrativa, Bárbara buscava um trabalho inspirador que se enquadrasse no universo do jornalismo literário. Os projetos se adaptaram um ao outro. O resultado, inclusive, já rendeu alguns prêmios como o Prêmio Gandhi de Comunicação 2014, na categoria TCC.


“Meu trabalho se enquadrava no jornalismo literário, porém meu faro investigativo estava insatisfeito com as temáticas mais cotidianas as quais recorri. Certa vez, quando já estava decididamente impactada pelas conversas que tinha com Aline sobre o andamento de nossas pesquisas, tomei coragem para lançar a proposta. Caso ela topasse, adaptaríamos a proposta de discurso narrativo com o qual eu pretendia trabalhar ao universo temático e personagens de sua pesquisa”, relata Bárbara.


Com o trabalho pronto e reconhecido, as autoras partem agora para o financiamento coletivo. O objetivo é viabilizar a publicação do livro. Saiba mais sobre o financiamento no Catarse aqui.


Em entrevista ao site da Agência da Boa Notícia, Aline e Bárbara falam sobre o viés humano que é dado a obra e os desafios de contar as memórias dessas mulheres, muitas vezes percebidas apenas como estatísticas. “É interessante observar como elas enxergam a própria história e as reconstroem através de suas falas, ainda mais no ambiente carcerário, onde suas memórias são marcadas pelo isolamento e pela solidão”, observa Aline.

ENTREVISTA

(Agência da Boa Notícia) – Como surgiu a ideia para o livro-reportagem e como foi o desenvolvimento do projeto?

Aline Moura – Quando eu era estagiária de um jornal de Fortaleza, fui enviada para cobrir o Miss Penitenciária, concurso de beleza organizado dentro do Auri. Quando lá cheguei, eu fiquei encantada pela vivacidade daquelas mulheres. Por outro lado, fiquei realmente aflita ao entrevistar as candidatas. Como poderia resumir em poucas linhas a história de vida daquelas mulheres? Percebi que por mais que me esforçasse não conseguiria dar conta daquele mundo que eu acabara de conhecer. Na hora do café, compartilhando a minha frustração com meus colegas de trabalho, eu soltei: “Essas histórias dariam um livro”. Depois daquele dia, eu soube que aquele seria o tema do meu TCC. Apesar de a minha ideia não ter sido bem recebida na academia a princípio, ao elaborar o projeto do livro, acabei conquistando aqueles que ainda estavam com um pé atrás em relação a temática. O processo de criação do livro durou cerca de um ano, entre agosto de 2012 a julho de 2013. A defesa do livro foi em agosto de 2013.

Bárbara Almeida – Eu e Aline estudávamos e trabalhávamos juntas. Á época, nós duas iniciávamos nossas pesquisas de conclusão de curso, e assim, ao mesmo tempo, fechávamos nosso ciclo estudantil para iniciar na vida profissional. Um dia, na redação, ela voltou de sua pauta super entusiasmada ao descobrir o universo obscuro que, até então, era uma penitenciária feminina. Contou a mim e aos demais colegas do trabalho todos os detalhes do evento que foi cobrir, o Miss Penitenciária, desde os trajes, às músicas, às danças e até os gritos de guerra para as concorrentes. Em meio aos relatos, havia também muitos outros aspectos das vidas daquelas mulheres que, no entanto, não faziam parte da abordagem para a qual ela havia sido pautada. Naquela hora, Aline decidiu qual seria seu objeto de estudo para o TCC, imediatamente apoiado por todos que ali estavam. Enquanto isso, eu também encaminhava minha pesquisa. Meu trabalho se enquadrava no jornalismo literário, porém meu faro investigativo estava insatisfeito com as temáticas mais cotidianas as quais recorri. Certa vez, quando já estava decididamente impactada pelas conversas que tinha com Aline sobre o andamento de nossas pesquisas, tomei coragem para lançar a proposta. Caso ela topasse, adaptaríamos a proposta de discurso narrativo com o qual eu pretendia trabalhar ao universo temático e personagens de sua pesquisa. Para minha alegria, pouco precisei argumentar. Em alguns minutos, nós duas já estávamos anotando mil e uma ideias a todo vapor.

(ABN) – No desenvolvimento, quais foram os principais desafios?


Bárbara –
Novos desafios sempre surgiram a medida que avançávamos nas entrevistas e na escrita. Passeavam por diversas questões, desde operacionais e profissionais, até por pontos mais pessoais e ideais. Nos primeiros momentos, chegando “crua” a uma penitenciária, me parecia realmente desafiador encarar presidiárias, propondo-lhes abrir suas histórias para estranhas como nós. Será que aquelas mulheres, costumeiramente rotuladas pela imprensa convencional, teriam interesse em ter suas versões reveladas em um livro? Sim, elas tinham muito o que contar sobre seus trajetos de vida, enquanto crianças, cidadãs, mães e até mesmo criminosas, que não estava nos autos dos processos penais, nem faziam qualquer diferença em seus depoimentos nos tribunais. Digerir cada história – todas atravessadas por profundos conflitos sociais, econômicos, familiares e femininos – também foi um processo muito provocador. Por isso, a voz de Auri ressoa também os nossos questionamentos. Afinal, qual o papel assumido pelo Estado na regeneração dessas pessoas, que por ele próprio já foram degeneradas em suas origens? Numa outra leitura da lógica punitiva, o que enxergamos é que, destituindo-lhes a liberdade, o Estado também acaba por se eximir de sua responsabilidade pelos desequilíbrios existentes nos direitos básicos de toda a população. E assim, pela força do Código Penal, preserva o status quo das relações de poder perpetuadas nas sociedades contemporâneas. Onde aquele que puder viver suficientemente – ou abastardamente – bem e independente dos investimentos do Estado, provavelmente, conseguirá se manter longe das grades de uma cela.

(ABN) – A que se propõe o trabalho? Ele humaniza o olhar em relação às pessoas que estão presas?


Aline –
A proposta da obra não é trazer mais julgamentos a essas mulheres. Afinal, todas as personagens já foram julgadas pela Justiça. A ideia é dar voz a esse segmento muitas vezes estereotipado pela mídia tradicional. O que vemos no nosso cotidiano é o tema ser tratado apenas através de estatísticas, que nada dizem sobre o ser humano que vive no ambiente carcerário. A violência e a criminalidade são temas complexos e iniciativas que abram espaços para debates e reflexões críticas são sempre oportunas. Em “Auri, a anfitriã”, através da narradora, escutamos as vozes das próprias personagens reais. É interessante observar como elas enxergam a própria história e as reconstroem através de suas falas, ainda mais no ambiente carcerário, onde suas memórias são marcadas pelo isolamento e pela solidão.

(ABN) – Por que apostar no financiamento coletivo? Qual é a meta da campanha? Como as pessoas podem ajudar na publicação do livro?


Aline –
A ideia do financiamento coletivo através do Catarse veio para concretizar a busca por independência. Mesmo recebendo a alcunha de independentes, jornalistas, escritores e artistas em geral acabam sendo dependentes de editais, o que acaba sendo uma vida muito incerta. Recursos como o “crowdfunding”, espécie de financiamento coletivo de pessoas físicas através da internet, é um método muito eficaz de aproximar o artista de seu público. Além disso, o artista vai controlar os recursos arrecadados e investir em sua obra, quebrando com a lógica do mercado tradicional. Acreditamos na qualidade do livro “Auri, a anfitriã”, tanto no nível estilístico quanto no nível gráfico. Ganhamos prêmios de melhor Livro-reportagem e melhor Edição de Livro. Isso só vem confirmar o quanto o nosso livro está pronto para publicação, ou seja, só precisamos de financiamento para a impressão dos exemplares. Se já tivemos todo o trabalho de criação, revisão e editoração, por que não tomarmos a frente também da impressão e distribuição? Com a campanha no Catarse, vamos convocar o público interessado em adquirir um exemplar do “Auri, a anfitriã” a realizar uma espécie de pré-compra. Quem ajudar a campanha com 25 reais, por exemplo, receberá como recompensa um exemplar impresso e autografado entregue no dia do lançamento em Fortaleza. Para aquele que não estiver em Fortaleza, mas também quer contribuir com a campanha, basta financiá-la com 35 reais e receber o exemplar impresso e autografado via Correios em qualquer lugar do Brasil. Para isso, basta acessar o link da campanha e escolhi entre as opções de financiamento: http://catarse.me/auriaanfitria. A meta da campanha é atingir o valor mínimo de 4 mil reais em 40 dias de campanha. O Catarse recebe 13% do valor arrecadado. Com a nossa parte, vamos financiar a impressão de 500 exemplares do livro e seu posterior lançamento.

(ABN) – O que significou para vocês o reconhecimento do trabalho através do Prêmio Gandhi?


Aline –
Este prêmio foi muito importante para nossa autoestima como jornalistas e escritoras. Escrever este livro foi a realização de um sonho e a premiação veio para concretizar ainda mais isso. Mesmo com este reconhecimento, é importante ressaltar que a carreira de escritora independente é muito difícil. Estamos há mais de um ano lutando pela publicação e acreditamos que existe um público realmente interessado em adquirir nossa obra. Por isso, recentemente, buscamos apoio nas redes sociais para assim ficarmos mais próximos do público interessado no livro. Além disso, é gratificante ver como esse reconhecimento está dando visibilidade ao tema. O complexo contexto que envolve a violência e a criminalidade precisa ser encarado de forma sóbria e discutido criticamente pela sociedade. Precisamos fugir de respostas óbvias e encarar a violência como um problema sistêmico.

Bárbara – Apesar de importante para o horizonte profissional, os prêmios são muito mais do que títulos de carreira. Em primeiro lugar, reafirmam que acertamos na escolha por trazer à tona vozes de mulheres em privação de liberdade. Além disso, assumimos alguns riscos significantes ao defender o livro-reportagem, por sua narrativa densa, carregada de histórias muito fortes e, ainda por cima, marcado por um discurso narrativo bastante ousado para o gênero. Portanto, ao receber cada prêmio, resgato na memória a ansiedade do processo, inclusive, com certa saudade. Assim como é difícil publicar livros sem apoio financeiro ou institucional, também é raro ao repórter a oportunidade de escrever reportagens em profundidade com autonomia. No fim, me certifico que valeu muito a pena confiar na intuição, tenha sido ela guiada pelo lado jornalista, pelo lado escritora ou mesmo como espectadora de tantas revelações.


Confira a matéria sobre o financiamento coletivo do livro aqui.


Contatos:  auriaanfitria@gmail.com  barbaraalmeida90@gmail.com alinemourange@gmail.com

Facebook: https://www.facebook.com/auriaanfitria

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