Jornalismo e literatura formam uma união polêmica. Enquanto alguns julgam inevitável seu divórcio, outros apostam na complementação recíproca das partes. Se no início da imprensa escrita os periódicos brasileiros eram feitos por grandes nomes da literatura nacional (numa época em que não existiam ainda definições técnicas a respeito da linguagem mais adequada aos jornais), hoje ocorre um movimento inverso: muitos jornalistas publicam livros de ficção.
Há ainda os ficcionistas que mesclam memória pessoal às suas próprias narrativas, ou jornalistas que escrevem biografias ao gosto do Jornalismo Literário. Diante de tal mistura, o leitor se sente estrangeiro dentro de duas fronteiras: o que é verdade e o que foi inventado? Onde começa jornalismo, onde termina a ficção? Para onde nos leva essa intrigante combinação de gêneros?
No livro “Invenção e Memória”, a escritora Lygia Fagundes Telles mescla eventos de sua infância e adolescência com seu processo criativo, mas sem dar pistas ao leitor. O escritor irlandês James Joyce juntou autobiografia com literatura em seu romance “Retrato do artista quando jovem”, publicado em 1916. Seguindo o fluxo da história narrada, o leitor que não conhece de perto a vida do autor não saberá diferenciar os possíveis fatos reais de sua fértil imaginação, em meio ao caudaloso rio de inovações lingüísticas ali propostas.
Outros exemplos curiosos são aqueles de jornalistas que também fazem literatura, como a paulista Cecília Prada, ex-diplomata que atuou na imprensa e tem livros de ficção publicados por editoras brasileiras. Um de seus traços mais marcantes na literatura, entretanto, é a crítica social (dirigida sobretudo à instituições como a igreja católica). Neste ponto, a escritora quase se confunde com a mulher de imprensa, mas como em Lygia Fagundes Telles, a memória de Cecília também é um fator bastante presente em sua obra.
Ao se lançarem à tarefa de escrever livros, muitos jornalistas diferem dos literatos menos e mais tradicionais, aproximando-se do estilo das redações: muita pressa e correria, como se preocupados com o prazo limite para entrega das matérias a serem impressas. Para muitos deles, o escritor é visto como aquele que dá uma importância extremamente relevante à “forma”.
Se “transformar-se” no personagem, senti-lo e vivê-lo pode ser uma abordagem comum aos escritores que pretendem compor uma história, isentar-se do fato apresentado é uma constante nos manuais de jornalismo.
É dessa forma que um dos maiores homens de imprensa brasileiro, o paraibano Assis Chateaubriand (criador do maior conglomerado de meios de comunicação de massa da América Latina), expressou sua opinião, logo depois de recusar uma vaga na Academia Brasileira de Letras: “O jornalismo é uma arte que nos divorcia completamente da literatura. O homem de imprensa é a mais viva contradição do escritor. Nós, jornalistas, não passamos de índoles descritivas. Somos no máximo coloristas dos fatos, se quiserem, mas nunca, jamais, criaturas de imagens e idéias”.
* Artigo publicado em 04.03.09 no jornal O Estado e reproduzido neste site com autorização do autor.
Cherlanyo Barros
– escritor
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