A primeira estrela que vi na floresta amazônica, não estava no céu, mas no fundo do rio Amazonas. Viajava de uma ilha para outra naquele rio quando, de repente, olhei para o fundo das águas e vi uma estrela. A floresta era densa. Havia, de um lado e do outro, apenas o verde da floresta e não as laterais de uma encosta aberta de um lado e do outro para, no meio, passar uma estrada. A estrela brilhava intensamente, e o silêncio da noite também era imenso. Durante a viagem me surpreendi com algo interessante. Eram muitas as pessoas que armavam suas redes naquela “gaiola”. De vez em quando uma delas se atirava no rio e nadava ao lado da barca.


Surpreso com aquilo, percebi o quanto aquelas pessoas estavam integradas com a natureza. De viagem para o Rio de Janeiro, em seguida, depois de passar por Fortaleza, o avião simplesmente descortinou um sol vermelho que tingia as nuvens com seu sangue. Nunca mais me esqueci dessa tarde nem dessa noite que, quando chegou, me lembrou aquela estrela que vi no fundo do rio Amazonas e que ali estava multiplicada em um céu levemente iluminado por uma lua que ainda não havia nascido.


No Rio, caminhava pela praia de Copacabana com os pés descalços quando, à medida em que andava percebi algo inusitado. A areia da praia simplesmente se espalhava em várias direções dando a impressão de que eram pequenas línguas de fogo que saltavam de sob meus pés. Na verdade, a luz do sol, vinda do poente, ou quase, proporcionava esta ilusão. Nunca mais me esqueci dela. Nesse dia estava com um poema na cabeça. Havia terminado de ler (ou reler) a Ilíada de Homero e havia sido incumbido, por um editor, de escrever um texto sobre a velha Cidade Maravilhosa. A minha intenção, no entanto, era a de compor um poema. Fazer daquele fogo, que chamejava sobre e sob meus pés, o que Dante fez no início da Divina Comédia. Mas não foi possível. A poesia não foi composta e o texto, publicado, passava longe do Inferno de Dante.


A última imagem que guardo em minha mente de andarilho é a de um cinema. Estava no saguão à espera de uma sessão quando me deparei com algo extraordinário. Primeiro, estava sozinho. Depois, pisava em um tapete vermelho e o mobiliário em volta lembrava algo que se assemelhava muito com os salões de uma época que não existe mais na França, pelo menos: a realeza. Eram móveis pesados ladeados por escarradeiras negras e douradas que terminavam, invariavelmente, com patas de leões sob elas. No final, quando a sessão terminou, no cinema, e as pessoas saíram da sala de projeção, me deparei com algo igualmente estranho: o silêncio e a tristeza daquela pequena multidão que passava por cima daquele tapete vermelho sem fazer ruído. Nunca mais me esqueci desse dia nem dessa noite quando aqueles rostos taciturnos povoaram o meu sonho e de vez em quando voltam sem que eu saiba mais onde foram vistos. Tenho para mim que estava no Rio. Mas também podia estar em Manaus, Fortaleza ou em Belo Horizonte.

 

Natalício Barroso é jornalista e escritor

 

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