Excluir as Ciências Humanas do Projeto Ciências sem Fronteiras é um equívoco deplorável, porque vem ratificar uma esquizofrenia no seio das instituições fomentadoras de pesquisa científica que categorizam o progresso e o desenvolvimento a conquistas materiais, a tecnologias e seus artefatos, sem levar em conta que o desenvolvimento humano passa pela sua cultura, sua história, sua memória. Pensar que há fronteiras que podem separar as ciências humanas e sociais das demais ciências que recebem do projeto suas benesses implica mudar o nome do projeto para Ciências com Fronteiras, com barreiras, com exclusões.


Isso enfraquece as políticas de intercâmbio científico da área, prejudicando universidades e centros de pesquisa; exacerba as animosidades entre os campos científicos, na medida em que cria uma espécie de apartheid entre eles; isola as ciências sociais e humanas das demais, além de impedir estudantes de trocarem experiências e saberes.


Num momento em que vivemos num mar de incertezas e a filosofia da complexidade é chamada para entender os fenômenos socioculturais contemporâneos, termos um governo que pensa que só se faz ciência pela lógica das chamadas ciências exatas é um equívoco sem tamanho. Edgar Morin e outros filósofos contemporâneos têm nos convidado a superar a lógica iluminista do mito do progresso e da racionalidade, que tange para debaixo do tapete as subjetividades das coisas, dos fenômenos, do mundo. Há coisas que a matemática não mede, a engenharia não resolve e os artefatos tecnológicos não fazem. Mas os resultados de todas as outras ciências causam alterações socioculturais, históricas e psicológicas importantes. Um governo que se diz socialista banir dos projetos desenvolvimentistas as ciências sociais e humanas é preocupante.


São elas que explicam os fenômenos sociais, históricos, políticos, culturais. Todo governo tem seus poderes de inteligência e eles não são apenas de ordem tecnológica ou de engenharia. Há as inteligências emocionais, as gestões de informação e do conhecimento, as ciências que explicam as subjetividades. É estratégico para o país as letras e as artes, a cultura e as tradições, a memória e as identidades.


Inventamos a velocidade e as tecnologias e hoje sofremos com as subjetividades que isso provoca no nosso viver. Inventamos as tecnologias e não sabemos lidar com seus efeitos socioculturais. É estratégico manter ciências e cientistas a postos para cuidar dessas loucuras que as engenharias e as tecnologias não dão conta.

* Tadeu Feitosa é Doutor em Sociologia e chefe do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal do Ceará (UFC) – tadeufeitosa@superig.com.br

     
Artigo publicado no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização do autor

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