Somos convidados cada ano, por ocasião da quaresma, a aproveitar como um tempo forte e sagrado, como uma grande graça de Deus, numa atitude de escuta da Palavra de Deus, de oração e ainda nos são oferecidos o jejum e a prática da caridade. A Igreja Católica no Brasil lançou a Campanha da Fraternidade no ano de 2011, antecipando-se a Conferência da Rio+20, propondo um olhar de misericórdia para com natureza, no sentido perceber como a humanidade contribui para o fenômeno do aquecimento global e da mudança do clima, ameaçando a vida em geral e de modo especial, a vida humana. Com o tema: “Fraternidade e a vida no planeta”, e o lema: “A criação geme em dores de parto”.


Sabemos que obra de Deus é uma “casa” maravilhosa, cheia de beleza e providência, prodígio divino, que devemos contemplar e louvar. “E Deus viu que tudo que tinha feito era muito bom” (Gn 1,10). Em face à gravidade de toda realidade ecológica, na sua crescente devastação, nasce uma indignação ética, que tem sua origem na luta contra a poluição do ar e da água. Urge pensar na criação, com uma nova mentalidade espiritual, que se segure e tenha seu fundamento no Evangelho e na pessoa de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo em que estamos abertos ao diálogo, indo ao encontro do Sagrado, em todas as suas expressões ou confissões que revelam e manifestam o sentido da transcendência, na religiosidade de todas as raças e de todos os povos da terra. Temos consciência que nos dias de hoje, o nosso modo de evangelizar deve ser o do consenso, de que todas as raças, culturas e religiões devem ser respeitadas e valorizadas. Eis que somos chamados a responder esses grandes desafios através da nossa fé no Deus único e verdadeiro.


O mundo deveria ser uma casa pródiga, a oferecer a criatura humana, e aos demais seres vivos da terra, todas as condições: crescimento, sobrevivência e plena realização. Um mundo harmonioso, em que todos vivessem de acordo com a vontade do seu Criador e Pai. Para nós que temos fé, a Sagrada Escritura, nos leva a louvar a grandeza e a bondade de Deus, Senhor de um mundo tão rico, vasto e belo. Os livros dos Provérbios e da Sabedoria exaltam grandeza do próprio Deus, presente e oculto nas maravilhas da natureza (cf. Pr 8, 22-31; Sb 13, 1-3). Mas a exploração desenfreada e gananciosa que o homem realiza, nas suas ações, no que diz respeito às madeireiras, mineradoras, fazendas e grandes empresas transnacionais, é de fato para destruir todo esse patrimônio, que é de toda humanidade, que é desafiada a proteger e conservar.


Hoje, mais do que nunca, temos que reconhecer a forte presença de Deus, na vida existente no planeta, vida muitas vezes não valorizada e mal cuidada, extremamente comprometida. Deus quer abrir a nossa mente e coração diante dos gritos, dores e gemidos da terra, grande casa e mãe, onde se encontram: “rios e mares, antes gigantescos úteros de vida, que vêm sendo esterilizados pela poluição industrial, esgotos, sujeira produzida pelo ser humano. Esquece-se que a água, fonte de vida, transforma-se facilmente em uma das piores fontes de morte, ao transmitir doença. Por ela navegam germes de morte até os confins da terra” (Pe. J. B. Libânio).


Não é tão somente uma moda do momento ou uma moda teológica e espiritual, o tema da ecologia e da vida que se sustenta no planeta. É um tema presente, que se manifesta e se encarna no dia a dia das pessoas, não deixando dúvida, que é uma preocupação crucial para o nosso destino, o destino da humanidade. De tal modo que é preciso enfrentá-lo com segurança e convicção, com paixão e fé, desenvolvendo a espiritualidade da confiança e coragem, ao mesmo tempo em que não se afaste de um Francisco de Assis, homem cheio de ternura, compassivo e humilde, entrando, a seu exemplo, em comunhão e diálogo com as realidades existentes na criação, começando com a própria natureza.


Temos o orgulho de possuir, no nosso querido Brasil, a maior floresta tropical e a maior biodiversidade do mundo. Entretanto, toda essa riqueza está ameaçada pela destruição da floresta e de outros ecossistemas, por grandes projetos, pela expansão de monoculturas da soja e da cana de açúcar e pelo crescimento da agro-indústria ou agro-negócio, de um modo predatório.


É o nosso bom Deus e Pai que nos faz o convite para participar desse processo, bebendo da mesma água que bebeu a mulher samaritana. A água que nos é oferecida é o Verbo Encarnado, agindo dentro de nós, a nos dizer que somos sujeitos da nossa própria história. Somos chamados a coibir os efeitos devastadores que nos envolve, evidenciado nas mudanças climáticas, que é o ponto chave para o futuro da humanidade. “Quem beber da água que lhe darei nunca mais terá sede, pois a água que eu lhe der tornar-se-á nele uma fonte de água, jorrando para a vida eterna (Jo 4, 14-15). Acreditamos, que pela força do nosso compromisso, podemos olhar para um Brasil que se transforma em um ator de grande importância na construção do novo acordo planetário, para conter os nocivos e devastadores efeitos desse fenômeno, no contexto planetário.


Vivemos em uma terra, com tudo que ela contém, ainda marcada pelo sofrimento, gemendo com as dores do parto (cf. Rm 8, 22), pela destruição e saque, fruto do capricho, da ação fútil e inconsequente do homem. Daí o desafio de não só pensar e refletir sobre essa triste realidade, mas decididamente em nome de Deus, a descruzar os braços e fazer a nossa parte.


Portanto, observar o convite do Criador e Pai é imprescindível, consciente de que a única alternativa, no sentido de evitar nossa própria autodestruição. É Deus mesmo, diante da grande Conferência da Rio+20 e “A Cúpula dos povos” no Aterro do Flamengo, querendo ver-nos totalmente convertidos e sensibilizados a essa realidade ecológica, conscientes da nossa responsabilidade ética para com o planeta, profundamente contaminado e enfermo, com doenças de toda natureza.

 
Pe. Geovane Saraiva, padre da Arquidiocese de Fortaleza, Escritor, membro da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza

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