O ano era 1992 e eu iniciava o meu curso de jornalismo na Universidade Federal da Paraíba, inspirada por um ideal bonito. Com o jornalismo queria mudar o mundo, talvez como Cazuza com a sua música e poesia. Cada um/a usa as “armas” que tem, afinal. Eu usaria a escrita para dialogar com o mundo. E nesse processo complexo de dialogação, como diz Paulo Freire, muita coisa vi, muito aprendi, muito continua a me inquietar e desafiar. Mas nada é mais assustador do que ver o discurso da acomodação, da não reflexão tomando os meios de comunicação.


Na Fortaleza de mais de 2 milhões de habitantes, de milhares de desempregados e analfabetos, todos os números são grandiosos. Consome-se muito, a depender da classe social. Anda-se de helicóptero, de carro, de ônibus ou carregando carrinhos de coleta de materiais recicláveis, também a depender da classe social. Mora-se em mansões milionárias, apartamentos de luxo na Beira Mar e no Cocó ou em cubículos mais singelos. Mora-se também em casebres nas comunidades que povoam a cidade  às centenas.


Foi de uma destas comunidades, ao lado da minha casa, que saiu um pequeno menino de 11 anos para as páginas de jornais. Envolvido no assassinato da empresária Marcela, mais uma criança pula a fronteira do que é lícito. Lícito? Como assim? O que é lícito numa sociedade tão excludente, que violenta social, ambiental e culturalmente suas crianças e jovens desde o ventre materno?


Pergunto-me como é possível falar de violência urbana sem tocar na ferida social que sangra todos os dias na miséria que povoa nossas ruas. E peço licença à Chico Buarque para aqui estampar a face de mais um guri que ganha as nossas manchetes desavisadas.


“Quando, seu moço / Nasceu meu rebento / Não era o momento / Dele rebentar / Já foi nascendo / Com cara de fome / E eu não tinha nem nome / Prá lhe dar / Como fui levando / Não sei lhe explicar / Fui assim levando / Ele a me levar / E na sua meninice / Ele um dia me disse / Que chegava lá / Olha aí! Olha aí! / Olha aí! / Ai o meu guri, olha aí!”. O restante da música ou dessa história cantada em versos, todos/as sabemos, ainda que não queiramos encarar.


Mas existem algumas instituições que não podem se furtar de encarar o problema com profundidade e entre elas está a mídia, simplesmente pelo fato de que tem um papel social a cumprir, o qual não se resume ao simples relatar dos fatos. É possível e necessário ir além da superfície dos nossos problemas para colaborar com a construção de um mundo melhor, pois uma das primeiras coisas necessárias à transformação é enxergar onde é preciso mudar. E a mídia, pela inserção que tem na sociedade, é um canal privilegiado de diálogo e (re)construção das relações sociais. Estudos acadêmicos demonstram isto ano a ano.


Uma alternativa seria colocar em prática o exercício de um “jornalismo pacífico”, que segundo o sociólogo Johan Galtung é uma forma de jornalismo que aborda o conflito de modo a estimular a “análise conflitual”, a pesquisa de suas causas estruturais e a resposta não-violenta ao mesmo. De que nos serve mais preconceito, mais exclusão, mais violência? Podemos optar por outra via. A minha é a construção daquele sonho bonito. E a sua?

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