Coincidentemente 1º de Maio não marca apenas o Dia do Trabalho. A data também homenageia o nascimento do romancista José de Alencar e, ainda, celebra o Dia da Literatura Brasileira. Uma das maiores referências da literatura nacional, Alencar atuava como jornalista, dramaturgo, político e advogado. Como escritor, deixou um legado até hoje cultuado. Aproveitando as duas datas, a Agência da Boa Notícia (ABN) entrevistou com exclusividade o jornalista e escritor cearense Natalício Barroso para discutir os caminhos, as dores, os amores, os desafios e as delicadezas dessa profissão. Confira o nosso bate-papo abaixo.

(Agência da Boa Notícia) Há quanto tempo é escritor e quantos livros já escreveu (entre publicados e não publicados)?
(Natalício Barroso) Escrevo desde os nove anos de idade. Como na época em que fazia o primário não havia aula de redação nem de Literatura (a ditadura militar não deixava), me surpreendi no dia em que uma de minhas professoras colocou o desenho de uma cabeça de cavalo na parede e pediu aos alunos para escrever sobre ela. Tomei um susto. Escrever? Descrever a forma, a cor e até o cheiro, quem sabe, daquele cavalo? Isso me deixou realmente emocionado.


A primeira redação que fiz por conta própria, porém, foi um pouco mais tarde. Os Estados Unidos haviam pisado na Lua pela primeira vez em 1969. Vi tudo pela televisão. Terminada a viagem dos astronautas, escrevi um texto sobre eles. Foi o primeiro texto.


Publiquei muitos livros. Alguns deles razoáveis. Outros, nem tanto. Os livros que mais considero, porém, são “A Vida Amorosa de Marco Polo”, que saiu pela UFC; o “Leão de Ouro”, publicado pelo Instituto Episteme; “O Livro dos Clássicos”, editado pela Fundação Demócrito Rocha e “A Tralha Grega…” que saiu pela Smile. Em breve, o Armazém da Cultura estará publicando “A Casa de Circe” e “Viagem Sem Fim”. Inédito disponho dos seguintes: “Prestação de Contas”, “A Profecia de Altazor” e um terceiro que ainda não tem título.

(ABN) Qual o seu estilo de escrita? Sobre que versam seus livros?
(N.B) Nilto Maciel, crítico literário e um dos editores da revista O Saco, aqui do Ceará, escreveu, certa vez, que não tenho estilo ou, se tenho, é o de rua. Escrevo, mais ou menos, como falo. Diferente de Shakespeare (longe de mim me comparar com o bardo inglês) que, para Tolstoi, o romancista russo, é muito solene. Os meus textos são corriqueiros.


Os assuntos são variados. Quando morei em Manaus, escrevi um pouco sobre a floresta amazônica. No Rio de Janeiro, falei da Baía de Guanabara, o bairro de Santa Teresa e o centro daquela cidade. Em Fortaleza, escrevo sobre a capital cearense. Os últimos trabalhos me têm surpreendido. Trato de bichos – gatos e pombos, principalmente. “A Casa de Circe” é um destes livros.

(ABN) O Brasil é reconhecidamente um país com pouco hábito de leitura. Ainda contra nós tem a fragilidade na educação brasileira. Como ser escritor nesse contexto?

(N.B)
Quando D. João VI veio para o Brasil em 1808, o país tinha menos leitores ainda. Aliás, a literatura brasileira se restringia aos portugueses que aqui moravam (Tomás Antônio Gonzaga, por exemplo, e o Pe. Antônio Vieira) e alguns brasileiros felizardos como Cláudio Manuel da Costa. Mesmo assim as pessoas escreviam. Escrever, na verdade, independe do leitor. Flávio Josefos, quando redigiu a História dos Hebreus setenta anos após a morte de Cristo contado como foi a destruição do templo de Jerusalém por Tito Vespasiano, talvez não soubesse que fosse lido. Mesmo assim compôs este monumento de quase duas mil páginas em edição de hoje. É conhecida a história do Marquês de Sade, preso na Bastilha, em Paris, que, como não possuía tinta nem papel para escrever, cortou os pulsos e, assim, compunha poemas e frases soltas nas paredes da prisão e dos seguidores de Maomé, movidos sabe-se lá por que, que copiavam as palavras do profeta no lombo de seus próprios animais para, dessa maneira, não perder nenhuma frase daquele que consideravam santo. Tudo, na verdade, é inexplicável nesse universo de pontos e vírgulas.

(ABN) Além do pouco incentivo à leitura e educação, o mercado editorial é bem fechado. Além da competitividade com outros escritores nacionais, ainda tem a forte presença da literatura internacional. Em sua análise, como o escritor brasileiro sobrevive à essa realidade?

(N.B)
Não sobrevive. O editor Francisco Alves tinha um método infalível. Publicava pelo menos um livro de determinado autor brasileiro. Se vendesse, publicava outro e assim por diante. José Olímpio adotava método diferente. Editava autores estrangeiros para, com o lucro, investir em autores brasileiros. Foi assim, por sinal, que surgiu o Romance de 30 com José Américo, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e José Lins do Rego.


A coisa é tão difícil, no entanto, que Érico Veríssimo conta em “Um Certo Henrique Bertaso” que quando trabalhava na Editora Globo, no Rio Grande do Sul, viu um dos donos da editora admoestar um dos escritores porque, quando mandava cinco exemplares dele em consignação para uma determinada livraria, voltavam seis e não somente os cinco que havia mandado. Queria saber, portanto, que mágica era aquela.


Luis Schwarz, segundo ouvi falar, dono da Companhia das Letras, publica apenas dois autores novos por ano. O restante são autores que já vendem normalmente. Mas, quando se pensa que Garbriel García Márquez foi recusado várias vezes pelas editoras e, numa destas vezes, recebeu a recomendação, por parte do editor, para mudar de profissão, dá para sentir, mais ou menos, o drama.

(ABN) Mesmo diante dessas dificuldades, é inegável a qualidade da literatura brasileira. Quais são as recompensas em escolher essa profissão (ou missão)?

(N.B)
Não há recompensas. Pelo menos na maioria dos casos. Geralmente, quando isso acontece, é exceção, e não a regra.

(ABN) Atualmente, no universo cearense, quem são os escritores que se destacam. Por quê?

(N.B)
Lira Neto e Adriano Espínola. Lira Neto porque, assim como Adriano, tem editora. Lira publica pela Companhia das Letras e o Adriano pela Topbooks.

(ABN) O Ceará produziu grandes escritores, que deixaram sua marca na literatura brasileira. Desses, quais são os seus favoritos?

(N.B)
Aníbal Bonavides, Antônio Sales, Adolfo Caminha e alguns outros. Aníbal é autor de um livro que trata da prisão que sofreu, na década de 1960, no 23 BC. Com ele estavam Tarcísio Leitão, Barros Pinho e Blanchard Girão. Tratando do assunto com a gravidade que merece, mas sem deixar de relatar alguns momentos de humor, este livro de Bonavides merece ser reeditado hoje em dia. Afinal, não perde em nada para “O que é isso, Companheiro?” do Gabeira ou “Batismo de Sangue” de Frei Beto. Antônio Sales não só porque escreveu “Aves de Arribação” que, diferente do “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, se passa em um sertão florido, mas porque também redigiu “Retratos e Lembranças” no qual conta como foi a sua vida por volta de 1897, no Rio de Janeiro, quando foi fundada a Academia Brasileira de Letras. Adolfo Caminha por ter sido o autor de “A Normalista” e “No País dos Ianques”, considerado o primeiro livro de viagens redigido por um escritor brasileiro.

(ABN) Ainda dentro da realidade cearense, quais são as políticas de incentivo à literatura? Quais são os caminhos para o jovem que deseja trilhar esse percurso?

(N.B)
Na verdade, não há caminho. Disse Heidegger, certa vez, que para quem quer vencer na vida tem, de fato, um caminho: a escola. E fez uma ótima comparação. A escola, para ele, são como pedrinhas colocadas em uma floresta que levam a um lugar: a universidade que, por sua vez, encaminha o aluno para exercer determinada profissão. Assim, quem se forma em jornalismo, tem uma redação de jornal para trabalhar; em direito, tem um escritório; medicina, um consultório e assim por diante. Como a profissão de escritor não existe (ainda que tenham montado uma ou duas faculdades em São Paulo nesse sentido) também não há “pedrinhas” nesta floresta para pisar. Nesse caso, quem quiser desbravar este mundo terá que empunhar a foice e abrir seu próprio caminho. Poucos, naturalmente, são aqueles que chegam do outro lado. Muitas vezes os livros chegam lá sozinhos, sem os autores.

(ABN) Para você, mesmo com os desdobramentos ou a falta deles (incentivo, patrocínio, políticas públicas), vale a pena ser escritor no Brasil, principalmente, no Ceará?

(N.B)
Vale.

(ABN) Em sua análise, o que pode mudar o contexto brasileiro no tocante ao pouco hábito de leitura e carência de políticas de incentivo?

(N.B)
A leitura, na verdade, é um problema social e não apenas cultural. Disse Michel de Montaigne em seus Ensaios que são do século XVI que tinha pena das pessoas que sabiam ler e, mesmo assim, não tiravam uma parte de seu tempo para isso. E por que escreveu isso? Montaigne sabia o quanto a leitura é importante para as pessoas em todos os sentidos. Artur da Távola, que morreu em 2008, tinha um programa de música clássica na televisão no qual sempre acabava com a seguinte frase: “Quem tem vida interior não sofre de solidão”. Aí está uma das funções da literatura. Ocupar a mente das pessoas. Quando isso for detectado pelos indivíduos e não pelo povo, esta entidade abstrata arduamente perseguida pela mídia e o poder, talvez alguma coisa mude.

(ABN) Como você avalia o novo mercado de livros digitais?

(N.B)
Afinal, o que é o livro? Quando surgiu, na Mesopotâmia, não passava de um tijolinho de barro. No Egito, era de papiro e, na Idade Média, pergaminho. É natural que, hoje, passe por uma nova transformação depois de ter sido de papel por longo tempo. Pe. José de Anchieta, recém-canonizado em Roma, escrevia seus poemas, dedicados a Nossa Senhora, na areia da praia. Vinha o mar e desfazia tudo aquilo que ele escrevia. José de Anchieta não ficava nem um pouco preocupado com isso. Ele sabia que, o mais importante, era escrever mais, talvez, do que viver.

(ABN) Para finalizar, qual é o principal entrave, atualmente, na literatura brasileira?

(N.B)
Baixa estima.

 

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