Chegou a nível inaceitável o tom de religiosidade da campanha à Presidência da República. José Serra (PSDB) parece candidato a papa; Dilma Rousseff (PT) se esforça para parecer uma beata. Quem trouxe o tema à arena foi o PSDB, ainda que Serra diga que o assunto surgiu “naturalmente”; o argumento dele convencerá quem acredita em trololó, para ficar na linguagem do próprio candidato.
O tom fundamentalista da gritaria passa longe do modo pacífico como o brasileiro convive com as mais diversas crenças – tirante alguns arroubos dos neopentecontais que, de vez em quando, gostam de chutar a santa ou de agredir gratuitamente religiões de origem africana.
O que se precisa saber dos candidatos são suas propostas para o País e não suas convicções sobre temas que cada um deve resolver com sua própria consciência, apegando-se a seus valores, espirituais ou não – pois ninguém deve ser obrigado a crer.
Os ateus e agnósticos não têm defeito congênito que os faz menos humanos ou menos bondosos do que os crentes. Há muitos ateus muito mais próximos dos ensinamentos de Jesus do que certos hipócritas que se preocupam com a forma e se esquecem da essência dos ensinamentos do Cristo.
No meu blog (http://migre.me/1xo4L) comento o livro “Peixe na água”, de Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura este ano. Ele aborda os dias de campanha quando foi candidato a presidente do Peru (em 1990), uma parte menos comentada de sua biografia.
Vargas Llosa relata como temas religiosos e pessoais ganharam precedência sobre o debate de propostas. Acusavam-no de ateu (ele é autodeclarado agnóstico) de “pornógrafo” por seu livro “Elogio da Madrasta” e de “incestuoso”, por ter-se casado, na juventude, com a irmã da mulher de um tio, história que ele conta ficcionalmente no livro “Tia Júlia e o escrevinhador”.
Quem ganhou aquelas eleições peruanas foi o engenheiro Alberto Fujimori. Quem quiser saber alguma coisa mais dessa triste figura basta pôr o nome dele no Google.
* Artigo publicado em 14.10.2010 no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização do autor.