Certamente, ainda há muito caminho a percorrer antes de que possamos comemorar tratamentos efetivamente estabelecidos para diversos tipos de lesões neurológicas. Mas já podemos antever que o sucesso virá de mãos dadas com a ética. A edição de novembro da revista Pesquisa Fapesp (publicada pela Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de S. Paulo) trouxe como matéria de capa importante experimentação realizada por pesquisadores do Instituto de Química da USP.

O trabalho por eles desenvolvido traz evidências de que uma substância até agora somente relacionada à regulação da pressão arterial, a bradicinina, faz células-tronco do cérebro se transformarem em neurônios e os protegem da morte em lesões cerebrais.

Para avaliar a importância dessa descoberta, é preciso situá-la no contexto da polêmica que envolve a pesquisa em células-tronco. O debate sobre a constitucionalidade do uso de células-tronco embrionárias no Brasil gerou muita expectativa e uma considerável confusão de ideias. Por isso, sempre que falamos nessas células são necessárias algumas distinções.

Célula-tronco é aquela capaz de se diferenciar em outros tipos celulares. Se essa diferenciação puder ser induzida e controlada, apresenta-se como muito promissora em termos de terapia celular, ou seja, tratamento de doenças em que há algum tipo de lesão ou degeneração de células.

Quando o assunto estava sendo debatido no Supremo Tribunal Federal, em 2008, fui uma das signatárias da “Declaração de Brasília”, na qual dizíamos, entre outras coisas:

“Ao contrário do que tem sido veiculado e acriticamente aceito pela opinião pública, as células-tronco embrionárias não são a grande promessa para gerar terapias. Na verdade, são as células-tronco adultas que têm produzido expressivos resultados…”

E ainda: “As células-tronco embrionárias são, em tese, capazes de gerar todos os tipos celulares humanos (chama-se a isso pluripotência). Apenas em tese, pois isso é o que ocorre in vivo, no desenvolvimento normal e natural do organismo. Entretanto, não existem dados experimentais efetivos que garantam que o mesmo possa ser alcançado in vitro, ou seja, em laboratório, após a destruição e morte dos embriões, dos quais são extraídas suas células para fins de pesquisa. Mais ainda: em termos de terapia, após 10 anos de intensas pesquisas em muitos países com alto padrão de desenvolvimento científico e investimentos de centenas de milhões de dólares, não há nenhum protocolo aprovado com células-tronco embrionárias humanas para testes em pacientes, ou seja, as células-tronco embrionárias humanas, por apresentar graves riscos à vida e saúde dos pacientes, sequer podem ser testadas em seres humanos. No modelo animal, essas células têm resultado na formação de teratomas, rejeição, entre outros problemas graves, não havendo, portanto, segurança para que se iniciem experimentações em seres humanos”.

De lá para cá, qual foi a evolução das pesquisas?

Em 2010, foram autorizados para a empresa americana Geron os primeiros experimentos em humanos com células-tronco embrionárias. E em 2011, depois de um gasto total de mais de 150 milhões de dólares em 15 anos de pesquisa, essa empresa veio a público anunciar que estava desistindo da área, sem explicitar claramente os motivos, mas certamente pela falta de perspectiva de obter bons resultados.

Um dos principais argumentos de quem defendia o uso das células embrionárias era que “somente elas são capazes de gerar neurônios”, afirmação que os cientistas da USP acabam de demonstrar que estava equivocada. Essa nova descoberta apenas reforça o que também vem sendo visto em testes clínicos com pacientes paraplégicos, realizados na Bahia pela Fundação Oswaldo Cruz, com o Hospital Espanhol e o Centro de Biotecnologia e Terapia Celular do Hospital São Rafael.

Um dos pacientes em teste clínico, um PM acidentado há 9 anos, voltou a mover as pernas e inclusive a caminhar com o auxílio de aparelhos. Certamente, ainda há muito caminho a percorrer antes de que possamos comemorar tratamentos efetivamente estabelecidos para diversos tipos de lesões neurológicas. Mas já podemos antever que o sucesso virá de mãos dadas com a ética.

Lenise Garcia, professora do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília, é doutora e presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto.

*O artigo, publicado em 22 de janeiro na Gazeta do Povo (Curitiba), é reproduzido no site da Agência da Boa Notícia com autorização da autora.

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