As cidades não contemporâneas, como Fortaleza, pouco a pouco vão se transformando em outras cidades que já não cabem mais dentro dela.


Ao deambular em Fortaleza, o pedestre tem a percepção de como ela se transmuta rapidamente. Bairros residenciais vão se transformando em edifícios de condomínios cada vez mais fechados. As pessoas, em consequência, vão desaparecendo das ruas e das poucas calçadas que ainda resistem aos usos privados e indevidos providenciados pelo homem. Quanto mais periféricos os bairros, maior é a possibilidade de ainda vermos pessoas nas ruas, nas calçadas, nas casas. Nestes bairros, existe maior parecença com aquilo que significa uma cidade, pelo menos para os que têm hoje mais de 40 anos de idade; seja, uma cidade com ruas, praças, esquinas, gente e com certo nível de comunicação pessoal.


Brasília, construída ainda na década de 50 do século passado, é uma dessas cidades pós-modernas, que, segundo Bauman e Maffesoli (1998), perderam “os elementos que antes estruturavam a modernidade” e agora “não mais encontram estruturação no jogo econômico contemporâneo”. Estas cidades da era atual são caracterizadas por grandes avenidas, prédios de apartamentos e sem esquinas. A vida dá-se aí nos inúmeros centros comerciais, clubes de entidades de classe ou particulares e nas diversas agremiações. Estes espaços de convivência comum são transformados naquilo que Marc Augé (2001) denomina de não-lugares. Algumas pessoas não conseguem se acostumar com essa ideia e voltam para suas origens ou procuram locais mais adequados, segundo seus critérios, para viver.


As cidades não contemporâneas, como Fortaleza, pouco a pouco vão se transformando em outras cidades que já não cabem mais dentro dela. Rapidamente se esquece o que esteve ali onde hoje é um prédio residencial de 30 andares, uma farmácia, um Banco, uma lanchonete ou mesmo um estacionamento para abrigar os carros que visitam os centros comerciais que pululam nos arredores. Como nas cidades invisíveis de Ítalo Calvino (1990), o homem em Fortaleza passou a viver uma cidade que existe apenas nas suas lembranças, nos livros de história ou nos cartões postais. A nova cidade virou uma metrópole, que em nada lembra aquela que resiste na nostalgia de nossa memória.


Este rompimento com o passado é bem nítido em Fortaleza nos bairros da Aldeota, onde foram apagados quase que por completo os traços da convivência residencial de outras épocas e da Praia de Iracema, que se transforma em “manchetes” das páginas policiais dos jornais e dos conteúdos de programas sobre violência urbana que pululam nas emissoras de TV locais. A Praia de Iracema é um bairro que passou de uma pacata vila de pescadores do início do século passado, para ser um bairro residencial. Transformada depois em uma região de lazer e entretenimento (bares, restaurantes, boates e similares) a Praia de Iracema vive hoje o ostracismo contemporâneo da pós-modernidade. Passou de algo útil para a sociedade para abrigar prédios de luxo, ocupados esporadicamente por seus proprietários e “inferninhos” que atraem o turismo sexual ou acabam servindo à marginalidade.


Esgotadas as possibilidades de exploração econômica destes dois espaços da cidade de Fortaleza (Aldeota e Praia de Iracema), incluídos aí estão Meireles, Varjota e Papicu, a especulação imobiliária e econômica volta-se agora para o bairro de Fátima. Aqui também, ela já começa a transformar em comércio ou em condomínios as residências ainda existentes nas proximidades da Avenida 13 de Maio. É a sanha da especulação imobiliária, que descaracteriza o bairro, transforma o trânsito em um verdadeiro caos e pode espalhar-se por outras áreas, circunvizinhas, como é o caso do Jardim América, Montese, Damas e Parquelândia.


Em Fortaleza, é triste constatar que, em benefício de segmentos sociais de alto poder econômico e político, “os signos de pertencimento foram subjugados e destruídos em nome de uma dinamização política e econômica que trabalha na perspectiva de um eterno rompimento com o passado” (BENEVIDES, 2003, p. 227).


Perguntar para Não Concluir…


Quantas cidades existem dentro de uma cidade? Depende do olhar de cada um. A cidade pode ser apenas um ícone, a percepção sensível de signos ou um índice, que dá apenas pistas e vestígios do que realmente ela é. A cidade pode ser tão somente um símbolo da sociedade de consumo, com normas e regras de um padrão autorreferente. Tudo depende da nossa disposição e relação com a cidade. Pode não ser possível quantificar as cidades que existem dentro da cidade, mas esta quantidade pode ser igual ao número de significados de um signo. Afinal, cada qual vê a cidade de acordo com a sua disposição e individualidade.


Para melhorar o ambiente, a locomoção e o bem-estar de todos na cidade de Fortaleza, cabe ao poder público municipal a efetivação de seu papel como gestor e fiscalizador das obras e da utilização de espaços públicos e, à população, o dever de zelar pelo conforto e o respeito ao código de obras e posturas do município. Como, por exemplo, não jogar lixo nas ruas. Alguns vizinhos de minha rua e porteiros de um condomínio aqui em frente jogam lixo na calçada aqui ao lado e em um terreno baldio que existe colado à minha casa. O lixo entope os bueiros, os ratos proliferam e a Prefeitura não toma qualquer providência, mas aumentou o IPTU que devo pagar agora em 2011. Porém, este é um assunto que poderá ser tema para outro artigo.


* Artigo reproduzido no site do Partido Verde do Ceará e reproduzido neste site com autorização do autor.

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