Tudo passa sobre a Terra. Menos, pelo visto, a seca para o povo cearense. Contando os anos a partir delas, muitos são os historiadores que, se referindo a uma determinada época, dizem o seguinte: isto ocorreu na seca dos três oitos (1888) ou na seca do Quinze (1915). Nada mais fazem do que reproduzir, em seus livros, aquilo que escutavam de seus avós, quando ainda eram crianças, e estes diziam, deitados em suas redes de tucum e varandão alto, que foi na seca de 1931 que tal fenômeno ou acontecimento se deu no Ceará.
A Grécia, em tempos muito recuados, também tinha o hábito de pautar o Tempo pelas Olimpíadas. Em Roma, o tempo era contado a partir do consulado deste ou daquele. Como as mulheres mudavam muito de marido, tinham o hábito de contar o Tempo de acordo com o número de maridos que tiveram. Com a queda do Império Romano em 476, quando os hérulos, finalmente, penetraram na Cidade Eterna, a história da Europa mudou. Surgiram as monarquias e foi a partir delas que o povo passou a datar a sua e a história de seu país. Livros como Os Lusíadas, por exemplo, de Camões, estão cheios disso. Contando a História de Portugal para o rei de Melinde, nos Lusíadas, Vasco da Gama, personagem principal deste poema, se esmera em narrar tal História de acordo com os reis que foram surgindo e caindo.
No Brasil, também houve época em que o Tempo obedecia a uma determinada dinastia: a dos Bragança. Partindo de Portugal em 1808 porque Napoleão ameaçava invadir aquele País, D. João VI chegou ao Brasil três meses depois. Com ele, veio quase toda a corte portuguesa. Fixando-se no Rio de Janeiro, D. João deu início a uma monarquia no continente americano. A primeira e a única que existiu em toda a América. Indo embora, em seguida, seu filho, D. Pedro I, assume o poder, em 1822, quando proclama a Independência e, logo após, o filho deste, D. Pedro II. Manuel Antônio de Almeida, autor de “Memórias de Um Sargento de Milícias”, quando começa este romance, escreve o seguinte: “Foi no tempo do Rei…” Como “Memórias de Um Sargento de Milícias” foi escrito em 1852, o rei, sobre o qual Manuel Antônio de Almeida fala, é D. João VI, o primeiro rei, e não D. Pedro I, ou seu neto, D. Pedro II.
Com o surgimento da República, em 1889, o Tempo, no Brasil, tomou nova conotação. Menos no Ceará. Aqui, chova ou faça sol, suba ou caiam governos, o Tempo é o mesmo. “Foi na seca de 1959”, dizem os mais velhos. Como a seca não passa nunca, vai chegar o dia em que os mais novos de hoje, dirão o seguinte para seus filhos e netos: “Foi na seca de 2014 que tal coisa aconteceu”.
Natalício Barroso é jornalista e escritor