Os heróis são anônimos. Habituados a considerar heróis apenas aqueles que vão ou voltam dos campos de batalha ou que cometem crimes bárbaros por uma causa tida e havida como nobre, as pessoas nunca olham para os lados para saber se seu vizinho ou sua vizinha também não praticaram um ato heroico em sua vida.


Dona Carmina, por exemplo, era casada há vinte anos com seu Ernesto (nomes fictícios). Certo dia chegou em casa e tomou conhecimento de que o marido tinha ido embora. Havia arranjado uma amante e, depois de certo tempo, resolveu morar com ela. Dona Carmina, como precisava muito do dinheiro do marido para sobreviver, não sabia o que fazer para manter o padrão de vida. Assim, de esposa de um homem até bem situado, na vida, tornou-se empregada doméstica para cuidar dos filhos. Tempos depois, o marido retorna. Tinha sido expulso de casa pela amante com quem, por sinal, teve filhos.


Como estava muito doente e gastou boa parte do dinheiro em seu tratamento, a segunda mulher não o quis mais. Mandou-o embora e seu Ernesto foi. Voltou para a primeira mulher. Dona Carmina, vendo o marido naquela situação, não soube o que dizer. Mas resolveu aceitá-lo de volta. Os filhos, no entanto, não quiseram. Apelaram para a memória da mãe e avisaram a ela que o pai não merecia aquele tratamento. Dona Carmina insistiu. Não se tratava mais de seu marido, mas de um homem que precisava de ajuda e, assim, aconteceu. Seu Ernesto voltou para casa e foi tratado pela primeira mulher até a sua morte pouco tempo depois. Morto, dona Carmina chamou a amante do marido para o enterro. Pagou as despesas fúnebres, com a ajuda dos filhos e, assim, reuniu as duas famílias a partir do cemitério.


A outra vizinha que eu tive pode se chamar Hermangarda ou Nazaré. Pouco importa. Digamos que se chamava Heloisa. Pois dona Heloísa, que hoje é casada, morava com os pais nesta época. De repente, tal como aconteceu com dona Carmina, a mãe, e não o pai, desta vez, abandonou o marido e foi embora. Acomodou-se com outro. Tempos depois, voltou para casa. O novo companheiro, como sempre, morrera. A mãe de dona Heloísa, como não tinha para onde ir, apelou para as duas filhas. Uma delas disse que não aceitava a mãe de volta. Dona Heloísa, no entanto, disse que aceitava e as duas entraram em choque. Durante a discussão, dona Heloísa disse para a irmã que a casa, na qual moravam, era uma herança já que o pai, assim como a mãe, também havia se casado com outra mulher. Assim, parte da herança era dela; a outra pertencia à irmã. Neste caso, a mãe, que queria voltar para casa, passaria a morar na parte da casa que lhe pertencia e não na parte que pertencia à irmã. As duas entraram em um acordo. Hoje, a irmã mais velha cuida de tudo o que é da mãe e dona Heloísa de seus filhos. Imagina o que seria do mundo se não houvesse atitudes assim que, ao contrário do que muita gente pensa, não é tão rara neste mundo. A imprensa é que nem sempre divulga.


Natalício Barroso é jornalista e escritor

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here