As entranhas da mídia / Valton de Miranda Leitão
Mídia é a pronúncia inglesa que sintetiza mass media. A enorme importância que os meios de comunicação adquiriram na contemporaneidade não pode ser compreendida fora da conjunção entre sua inserção histórico-sócio-cultural por um lado e psicológico-subjetiva por outro.
A mídia faz parte ao mesmo tempo do mercado político e da mentalidade individual e coletiva na atualidade. Enquanto poder político, se diz independente e neutra na busca da justiça social e da transparência dos atos governamentais, mas noutra perspectiva mergulha fundo no psiquismo individual e coletivo para induzi-lo ao consumo compulsivo de toda espécie, inclusive da própria notícia.
O campo midiático é, na verdade, um sistema ideológico da classe dominante capitalista que Habermas na sua vacilação filosófica não definiu claramente, colocando-o no espaço potencial do argumento democrático. A sua atuação se dá no jargão simbólico da superfície dos fatos socioculturais porque a profundidade da mentalidade grupal é anulada pela indução do prazer imediatista sem reflexão.
O homem contemporâneo que não deve pensar, mas simplesmente consumir, é igualmente impedido de desenvolver sentimentos sociocomunitários pelo semelhante porque o conjunto do sistema comunicacional integrado socioculturalmente privilegia o individualismo narcísico do consumidor compulsivo. A pretensão dos ideólogos midiáticos de neutralidade para o sistema comunicacional é completamente desmentida pelos fatos, enquanto que, facilmente se pode demonstrar sua ação danosa sobre a mentalidade coletiva. Evidentemente que existem aspectos positivos tanto na mídia convencional quanto na comunicação eletrônica e informacional (internet). A elite do Capital Global controla as organizações midiáticas em todos os países do mundo ocidental, enquanto o sistema eletrônico-informacional está sob o domínio do Governo dos EUA.
Atualmente, não é possível prescindir dessa engrenagem que penetra todas as dimensões da vida humana, desde a indústria, o comércio, os serviços, chegando ao psiquismo individual e inconsciente grupal. A teia comunicacional e informacional-eletrônica penetrou de tal forma no corpo do homem, a ponto de poder dispor, tanto da sua dimensão sensual quanto afetiva (amor-ódio), podendo instrumentalizar a política como mercadoria numa extensão jamais imaginada há cinquenta anos.
A sociedade civil-política iludida com a suposta neutralidade midiática não percebe o perigo da democracia unidimensional que, na essência é antidemocracia. A BBC de Londres, por exemplo, consegue na sua programação aparentar equanimidade de opiniões ao centro, direita e esquerda, mas no horário nobre predomina o pensamento conservador, enquanto na internet o domínio do grande capital em organizações tais como o Google é absoluto. Qualquer tentativa de democratizar o sistema comunicacional ou por limites às infovias computadorizadas esbarra imediatamente na denúncia “atentado contra a liberdade de imprensa” ou “aprisionamento antidemocrático do mercado livre”. O governo de Cingapura, por exemplo, está tentando barrar os sites pornográficos e o Orkut, mas sofre grandes represálias na Organização Mundial do Comércio.
A competitividade destrutiva adquire no sistema comunicacional dimensão virótica, estimulando todas as formas de perversão. Não se trata de concorrer, mas destruir, não se trata de amar, mas possuir, não se trata de pensar, mas consumir, não se trata de falar, mas simplesmente gozar. A política midiática parte do princípio de que “na panela do pobre tudo é tempero”, por isso mantém certo controle sobre o sistema comunicacional dos países ricos, enquanto no Brasil, por exemplo, toda sorte de porcaria pode ser veiculada (o Big Brother não deixa dúvida). O paredão que agora é roça se exprime no auge da estupidez aos domingos. Todo esse sistema quer impor ao País sua agenda moral e ética.
É urgente construir alternativas midiáticas como a TV Brasil e Telesur na América Latina, mas principalmente introduzir legislação que favoreça o controle do povo sobre a comunicação.
* Artigo publicado em 09.08.2009 no jornal O Povo e reproduzido neste site com autorização do autor.
Valton de Miranda Leitão
– Psiquiatra
valtonmiranda@gmail.com